Impressionado com as reportagens, artigos e, outros textos, sobre os idosos e as vicissitudes da vida que, o dia-a-dia lhes tem vindo a reservar, surgiu-me a ideia de publicar no blog, um texto, necessariamente modesto, com o objectivo e no propósito – através dele - de desenvolver uma “conversa” com os meus antigos camaradas d’armas e amigos, ao estilo e a exemplo das muitas “conversas” desenvolvidas no tempo, onde não nos passava pela cabeça, a vida, 40 anos passados.
Acreditem que não foi difícil encontrar o “suporte” necessário para relatar, e, opinar, sobre a problemática da chamada 3ª idade neste país, chegando à conclusão, que são muito poucos os Idosos, com razões para darem Graças, por verem respeitados, honrados, na sociedade e na família, os direitos que lhes são justamente devidos no Outono da vida.
Os outros, os “Velhos”, a esmagadora maioria, sem “voz” para reclamarem, juntam velas, que acendem, ou não, rezando e implorando p’los direitos que lhes são legítimos; na segurança económica, nas condições de habitação, na saúde, no convívio familiar e comunitário. Rezam, suplicam, protestam para que respeitem a sua autonomia pessoal, que lhes acabem com o isolamento e com a marginalização de que são vítimas. Direitos que lhes são constitucionalmente devidos e que tardam a encontrarem.
No Largo do Martim Moniz, em Lisboa, encontro o Fernando (nome fictício), um sem abrigo que se estendia e, se aconchegava no “seu” cartão, para uma noite que ambiciona ser calma. Na improvisada cabeceira da sua “cama”, tem uma vela apagada. Murmurava quando lhe pergunto se esteve na guerra colonial. Não me respondeu, a sua meditação ia noutra direcção. Não sei se rezava, ou se reclamava por não ter acesso uma refeição, mesmo que fosse de qualidade deficiente? Uma fatia de pão? Umas sopas ou “algo” misericordioso que não conseguiu encontrar?
Insisto por uma resposta e, entre dentes, de olhar incisivo, diz algo que me pareceu ser “Guileje” ou “Guidaje”. Foi claro a pedir-me cigarros, ao que anui. Virou-me as costas e tapou-se de farrapos, não me pareceu digno continuar a insistir, ficando, eu, sem saber as causas que motivaram ou motivam tão miserável forma de estar. Pareceu-me revoltado, mas ao mesmo tempo (talvez) resignado, mas não acredito que o Fernando, (ou qualquer outro sem-abrigo), rejeite uma sociedade que tem a obrigação de proteger aqueles que são seus filhos, que rejeite o direito a uma vida digna (e merecida), enquanto “percorrem a estrada” até ao dia da verdade.
Senhores, basta de olhar para o lado, fingindo que não vêem.
Estigma
Filhos dum deus selvagem e secreto
e cobertos de lama, caminhamos
por cidades, por nuvens e desertos.
Ao vento semeamos o que os homens não querem.
Ao vento arremessamos as verdades que doem
e as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
só os astros trazemos.
A treva ficou onde todos guardamos a certeza oculta
do que nós não dizemos, mas que somos.
Foto de Renato Fogal
Poema Ary dos Santos