quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

HISTÓRIAS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS (XXXIV)



Antiga Rua das Tilias
FUI AO ENCONTRO DO MOINHO QUE ME VIU CRESCER

 Naquela manhã, o sol não se avistava. Também não chovia. O tempo estava nublado, cinzento, mas nada que, estorvasse o meu encontro com o moinho que me viu crescer.

No Calhau, aos seus “pés”, na Serra do Monsanto, um belo parque recheado com zonas de recreio, circuitos de manutenção, zonas para merendar e campos de jogos.
Os trilhos apresentavam-se limpos, com todo o terreno verdejante.
Não são muitos os visitantes. Uns correm, outros passeiam com os fiéis amigos presos por trelas.

Vejo, em zonas demarcadas, bancos de descanso, mesas para merendar. Contudo não me fazem distrair no meu caminho ao encontro do “meu” moinho. Sabia que, no cimo da vereda carregada de vegetação, o descobriria como outrora, sem trilhos, vezes sem conta, o encontrara.

Na frente da sua pequena entrada em ruínas, parado, espero pelo seu “abraço”. Aguardo pelo “convite” para entrar. Admiro os velhos e, mais degradados os buracos que, serviram certamente de suporte às peças do engenho. Afago, respeitosamente aquelas pedras polidas pelo tempo.

Como outrora, não escondo o desejo de escalar as suas paredes. Esforçado, sozinho, a custo o fiz. No alto, quanto o meu olhar alcança, vejo as diferenças.
Do novo Bairro, não vejo as ruas, mas sim alguns andares de poucos prédios. Ao cimo também não vejo o adro e capelinha, como antigamente admirava, sentado naquelas pedras sempre frias.
Pior foi descer, esqueci-me das dificuldades pela idade. Aquele amontoado de pedras, restos do moinho que me viu crescer, mais pareciam não o querer deixar. No entanto direi:
Voltarei! Prometo!

…................

Das várias entradas existentes no novo Bairro das Furnas, quase sempre escolho a entrada pela rua Padre Carlos dos Santos (antiga Rua das Tílias?). Não sei explicar o porquê, talvez pelo “costume”, quando menino e moço, morador do velho Bairro das casas desmontáveis.

Um outro gesto, também não o saber explicar, quando desço a rua Costa da Mota, o meu olhar, forçosamente, vai na direcção da “minha” serra de Monsanto, procurando avistar no alto, o seu majestoso e velhinho moinho de vento, mas sem êxito.
Desolado, continuo na direcção dos meus propósitos, ficando na minha mente a lembrança, de como era bonito avistar, o “Três Cruzes”, de todas as ruas do velho bairro das Furnas.

Conta a história que, a Serra apresentava condições de exposição ao vento, levando ao desenvolvimento de uma importante actividade moageira. É assim que, em meados do século XIX, eram cerca de 75 os moinhos de vento em laboração e, anos depois se terá verificado rápido declínio. O último a encerrar foi, o Moinho do Penedo, no ano de 1925.

Com a ideia, conseguida, da criação do Parque Florestal de Monsanto, no ano de 1938, é dado o início às expropriações e reflorestação da serra.
Hoje, na Serra de Monsanto, só há vestígios de “meia dúzia” dos velhos moinhos: Moinho do Penedo, Moinhos do Mocho, Moinhos de Santana, Moinhos do Casalinho da Ajuda e Moinho das Três Cruzes ou do Calhau. Todos, dispondo ao seu redor, zonas de recreio, circuitos de manutenção, zonas para merendar e campos de jogos.
 O “meu”, “O Três Cruzes”, está classificado, por excelência, como um dos miradouros mais bonitos sobre a zona leste da cidade de Lisboa. Infelizmente é o único que não foi recuperado, continuando em plena degradação.

O VELHO MOINHO



quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

HISTÓRIAS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS (XXXIII)

O NATAL E O AVIÃO QUE DAVA CAMBALHOTAS

…Bom dia Georgina… disse sorridente a Ti Rosa, no momento que empurrava a porta de entrada da minha casa.
…Bom dia…respondeu-lhe
…Que frio que está hoje e, tu pela manhã, já a limpares e, a arrumares o tampo da cómoda…

A cómoda que, em casa existia, ficava situada no lado esquerdo da entrada. Quando pequeno, a altura do móvel dava pelo meu peito. No comprimento, tinha 3 gavetas sobrepostas. Ocupava todo o espaço da parede até ao quarto.
No tampo, estava colocada uma toalha de renda, alguns biblôs, uma jarra, sempre composta com as flores do quintal e, algumas imagens de santos. O candeeiro de vidro, a petróleo, estava ali mesmo à mão, uma ou outra fotografia, por lá, também se via.

…Não filha…ripostou minha mãe
…Estou a tirar tudo do tampo da cómoda para construir o presépio…
…O Raul foi à mata, buscar musgo, não deve tardar…

Apanhar e carregar o musgo, todos os anos, para o presépio, era da minha responsabilidade.
De balde de zinco na mão, uma faca, alguns velhos papéis dos jornais para separar as camadas do musgo que, viria a ser arrancado da terra, lá ia eu a caminho da mata de São Domingos de Benfica, ou da serra de Monsanto.
O balde já por si era pesado, carregado com o musgo, pior um pouco. Era um recado/trabalho que fazia com muito gosto.

O presépio, lá em casa, era muito bonito! Todo ele era feito de bonecos de barro, excepto a cabana que era de palha.
Na cabana de palha estava o menino deitado nas palhinhas da manjedoura, acompanhado das imagens exigentes da tradição.
Tinha na sua frente, ao longo do tampo da cómoda  espalhados no musgo, todo um aparato de pequenos bonecos. Uns representando a vida numa aldeia. Outros, a vida do pastor no monte, com o cão e, as ovelhinhas a pastar.
Não faltava uma pequena cascata, feita da folha de prata, a imitar a água a correr para um lago, não mais que, um pequeno espelho, contendo um ou dois minúsculos patos.

…Anda cá oh Rosa…disse-lhe a D. Georgina, minha mãe.
…Quero-te mostrar o brinquedo que vou pôr no sapatinho do Raul…
…Comprei-o na papelaria do Chico…

O Sr. Chico tinha uma papelaria na Cruz da Pedra. Vendia também brinquedos.
Estava situada um pouco à frente da Pastelaria (A Colmeia), na Estrada de Benfica, perto da loja de electrodomésticos  onde o Bica, da minha rua, mais tarde veio a trabalhar para aprender a profissão de electricista.

A loja do Sr. Chico, por esta época festiva, era das poucas lojas, em redor do velho Bairro das Furnas, que, tinha a montra mais recheada de brinquedos.
Era costume ver a pequenada, pasmada, encostada aos vidros da montra, a admirarem todo aquele aparato.
Eu já fizera há muito a minha escolha, “perdendo”, quando pela loja passava, largos minutos a vê-lo trabalhar.
Maravilhado, perguntei à minha mãe se o Pai Natal me podia dar?
Da resposta apenas obtive o silêncio.

…Oh Georgina foi caro? Pergunta-lhe a Ti Rosa.  
…O Sr. Chico deixa-me pagar por 3 vezes… retorquiu
…Eu, para a minha mais velha, vou comprar umas meias de vidro, destas agora, sem costura. Para os outros ainda não sei…avançou indecisa a Ti Rosa.

Naquela noite, 24 de Dezembro, do ano de 1953, o poial da chaminé da minha casa estava muito branquinho. Não passara uma semana que fôra caiado.
Tinha em cima dos azulejos uma pequena toalha de cor branca, 2 sacos de flanela de cor vermelha, um meu sapato cardado na sola, couro amarelo e ensebado, onde supostamente, o Pai Natal iria colocar os brinquedos por mim solicitados e, ainda, os pedidos pela minha sobrinha Madalena, então com 4 anos.

Bem fiz aturados esforços contra o sono, na espera da meia-noite, mas o “joão-pestana” foi bem mais forte.
De manhã cedo, ainda noite escura, corro para a chaminé para ver das minhas sortes!
Eu o pressentia!
Lá estava a minha paixão!

…O meu primeiro brinquedo de corda. O avião que dava cambalhotas e que, durante alguns dias, o via deslizar nas improvisadas pistas na montra da loja do Sr. Chico… 

Não posso descrever o sentimento dos meus pais ao assistirem à minha alegria, mas recordo de
como era bonito ver contentes, com os novos brinquedos, nesse dia de Natal, os miúdos/as da minha rua.
Que vaidoso estava, por brincar com os demais, vendo o meu avião de corda “voar” e a dar cambalhotas na “pista” da velha Rua dos Plátanos.

Foi assim o dia de Natal, naquele ano.
Hoje, nesta quadra natalícia, quero os dias a correrem depressa. Quero ver retratado, nos lindos rostos, das filhas e das/o netas/o, a alegria originada pelas prendas “oferecidas” pelo velho Pai Natal.

Nota:
A imagem do avião, igual ao brinquedo que me foi oferecido neste Natal, foi copiada, com a divina vénia, do Blog Meus Brinquedos Antigos 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

terça-feira, 20 de novembro de 2012

HISTÓRIAS QUE ME ATREVO A CONTAR


                                                                 A MENINA DANÇA?


…Já não se encosta a face à face da dama.
…Já não se trauteia aos ouvidos da donzela.
…Já não aproximam os corpos (a medo) como outrora.
…O rigor da indumentária já não se verifica.
…Os passes de dança já não são motivo de censura por mal praticados.

Recentemente dei nota de uma cena passada no período da adolescência, num dos frequentes bailes, ao fim de semana, no Clube de Sete Rios, cujas antigas instalações ficavam nos arredores do velho Bairro das Furnas.
Pensando melhor e, pela importância que, naquele período, tais eventos representavam para a juventude, entendi desenvolver um modesto apontamento de registo, a fim de, eventualmente, se tirar ilações e, quiçá, compara-lo com os hábitos/costumes contemporâneos.

A cidade de Lisboa, naquele tempo, estava bem apetrechada de clubes recreativos e sociedades culturais. Eram dos poucos espaços democráticos de raiz popular. Designavam-se, de alguma forma, como um movimento de oposição, de resistência cívica, política social e cultural, ao regime fascista.
Pelo seu empenhamento, umas quantas foram encerradas e, alguns dos seus dirigentes passaram pelos calabouços da polícia política e, do regime.

Creio não estar a ser injusto se referir que, a juventude, na maior parte desprovida das acções da política, para além da sua ocupação no trabalho, ou no liceu, “perdia-se” no pensamento, pela chegada das matinés, ao fim-de-semana, organizadas nas colectividades.
Era das poucas oportunidades, nas voltas de um slow ou de um tango, ter nos braços a sua escondida paixão. Ou para o aprazimento, tanto quanto possível, à sua “fogosidade” que, nessa idade, a todos assolava.
Era quase sempre os rapazes os primeiros a chegarem ao bailarico.
Acomodavam-se no bufete.
Por vezes jogavam às moedas ou diziam dichotes. Mas atentos da chegada daquela, por quem o interesse vinha observado ou observara em fim-de-semanas anteriores.
Raramente se sentavam, a não ser que o seu par já o tivesse por comprometido.

As moças vinham sempre acompanhadas das mães. Ou recomendadas pelo “olhito” de uma vizinha. Só excepcionalmente tinham autorização de sozinhas, irem ao salão de baile. Quanto muito em grupo, mas sempre na presença de alguém de “confiança” dos seus pais.
Apresentavam-se de saias e blusas ligeiramente ajustadas ao corpo. Um ou outro colar de pechisbeque ornamentava o peito, escondendo um modesto decote.
Era raro o uso de calças. Aqui ali, alguém com pudicas e ligeiras camadas de batom nos lábios.

Ao fundo do salão de baile, encontrava-se o palco. Nele, quase sempre um conjunto musical.
Junto das paredes, por debaixo de alguns espelhos, ou de fotografias de cor sépia pelo tempo, as filas das cadeiras, onde se sentavam as raparigas e, as suas “vigilantes”.
Quando o animador da sala, dava o sinal aos músicos para iniciaram a actuação, os jovens, aos poucos, sorridentes, uns atrás de outros, sala fora, lá iam no encontro das donzelas.
Apresentavam-se de fato, casaco necessariamente abotoado e gravata a condizer. Com os sapatos era condição trazê-los bem engraxados, para dar nas vistas quando observados nos passos da dança.
Eram momentos de grande nervosidade.

A menina dança?
Aqui a sorte estava ou não na aceitação, na maior parte das vezes, pelo consentimento, por gestos ou sinais, de quem a acompanhava a rapariga.
Registar que, mesmo contra a vontade a quem formulei o convite, levei algumas “tampas”.
Desistir nunca.
Momentos altos, por tão bom, eram quando consentido o encostar do rosto, permitindo (por vezes) cantarolar aos ouvidos da parceira. Quase sempre dava azo a um “apertadinho” mais ousado e, também ao estalo, ou ao abandono, no meio da sala, do cavalheiro. Foi também acontecimento nalgumas vezes.

Interessante era o momento em que, o animador anunciava “damas ao bufete”.
O cavalheiro convidava e obrigava-se a pagar, uma bebida ou um bolo, ao par que, mais “sorte” lhe deu naquela tarde.
Eram também momentos que, o pouco dinheiro nos bolsos desaparecia.
Nem tudo era “mau”.
Nestas ocasiões de “damas ao bufete”, permitia, por breves momentos, ficarmos livres da vigilância da mãe ou do “olhito contratado”.
Aqui os sorrisos, algo comprometedores e, os afagar/encostar os dedos na mão da donzela, eram sinais do interesse para uma maior aproximação e, desejo do namorico.

Mas tudo passa.
Com o surgimento das discotecas, dancigs, pubs, etc., os hábitos de convivência da juventude mudaram muito.
Nos dias de hoje, sobretudo em Lisboa, a importância destas sociedades, como locais de reunião social e cultural, foi decrescendo. Poucas são as que, mantém as raízes. A grande maioria já não funciona. Nas existentes é muito rara a presença da juventude e, ver as “enchentes” como em outrora se verificavam.

Já não se encosta a face à face da dama.
Já não se trauteia aos ouvidos da donzela.
Já não aproximam os corpos (a medo) como outrora.
O rigor da indumentária já não se verifica.
Os passes de dança já não são motivo de censura por mal praticados.
Mas…Sempre que posso, mesmo já no arrastar dos pés, não dispenso uma matine dançante.
A senhora dança?

Fotomontagem da furniana Teresa Carvalho (Té)

domingo, 11 de novembro de 2012

PASSEAR NA MATA S.DOMINGOS DE BENFICA E SENTAR-ME NOS BANCOS FEITOS DE PAU


Este meu apontamento vem a propósito de ver visto uma fotografia, dando-me a observar, um conjunto de bancos corridos, expostos numa vereda, assentes em blocos de pedra, rodeados de farta vegetação, levando-me a pensar e a sussurrar “onde eu já vi isto”.
Tal retrato mostra três assentos feitos de troncos de madeira. Salpicados de rasteiro musgo, certamente originado pelas intempéries dos anos da existência, parecendo-me abandonados de manutenção.
O responsável por esta fotografia, puro furniano, dá pelo nome de Carlos Nunes. A oportunidade de pessoalmente lhe falar ainda não surgiu, temo-lo feito, tão só por flashes nas páginas sociais comummente acessíveis. No entanto suficientes para saber da sua travessia na vida, quer do velho, quer do novo Bairro das Furnas.

Este apaixonado pela arte de fotografar é neto da saudosa Sr.ª D. Delfina, moradora na principal e, mais comprida rua do velho Bairro (Eng.º Gomes de Amorim). Filho da saudosa Sr.ª D. Irene que, fazia parte do efectivo do pessoal do posto da assistência social aos moradores. Mulheres bem conhecidas e, estimadas pelas gentes do meu velho bairro, sendo certo, hoje, adultos, sobretudo da Sr.ª. D. Irene, não esquecem dos dispensados cuidados enquanto crianças. Na minha passagem, estes seus familiares, sempre me cumprimentaram. No meio dos seus simpáticos sorrisos, como ficava contente por ouvir prenunciar …“olá Raul como estás”… Ruborizado, baixava humildemente a cabeça em sinal de respeito.

A vida também é feita de recordações. Este retrato, durante dias, “martelou” constantemente na minha cabeça. Não resistindo à saudade, num recente dia, fui observar de quanto fiel era todo o local envolvente que, a fotografia projectava. O trajecto escolhido, para a “minha” Mata S. Domingos de Benfica, foi pela estrada do acesso ao Calhau. Foi de propósito. Queria “sentir o atravessar” da passagem de nível do comboio, da inexistente Estação da Cruz da Pedra.

Num pulo, alcanço o Palácio Conde de Mascarenhas, demoro uns momentos a observar o abandonado chafariz do antigo Convento de S. Domingos de Benfica, onde ficava, ao tempo do Marcelo Caetano, o chamado Instituto de Reeducação para raparigas, hoje uma instituição religiosa. Paredes meias, a antiga Capela dos Castros (Igreja S. Domingos de Benfica). Pena minha ter as portas fechadas, escondendo o seu belo, direi mesmo, magnifico interior.
A estremar, recentemente desactivado, o Instituto Militar dos Pupilos do Exercito.

Entre modernos caminhos pedonais e pistas para velocípedes, procuro uma estrada para entrar na mata.
Confesso ter sido algo difícil orientar-me até avistar a velha mina.
Subo mais alto.
Por aqui recordo quando em menino imitava os gritos do Tarzan, tal a parecença com a selva traduzida nos filmes projectados no velho Salão de Festas.
Percorro outras estradas, vejo aqui e ali, novos equipamentos dignos do meio ambiental; Parques de Merendas bem equipados, caminhos pedestres, circuitos de manutenção, parques infantis bem apetrechados, locais no meu tempo não existentes!

Procuro a fonte onde enchi vezes sem conta garrafões de pura água da mina e, onde namorei, troquei beijos e, abraços sempre que, as oportunidades surgiam.
Sinto tristeza pelo seu abandono, não tem o brilho de então. Um pouco de tinta branca fazia toda a diferença.
Por perto, imediatamente na vereda abaixo, já não vejo o lago dos patos, onde torci um pé ao saltar, quando vazio, na procura dos peixes retidos num pequeno refugio, mesmo no seu meio. Hoje, em sua substituição, um bonito parque desportivo incorporando um campo de basquetebol e, uma torre de pedra para escalar.

Sigo para o regresso. Encontro o conjunto dos três bancos corridos, assentes em blocos de pedra, rodeados de farta vegetação que, a fotografia ostentava.
Foram momentos de grande nostalgia. Um dia destes vou voltar para novamente me sentar nos bancos feitos de pau e, matar as saudades.


sábado, 10 de novembro de 2012

FUI À MATA MATAR SAUDADES

Um dia destes escrevo sobre este dia. Foi lindo recordar

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

TENHO SAUDADES DE A TER AO MEU COLO


Ficava inquieta ao pressentir a minha chegada na entrada da rua.
Era sempre a primeira, ao meu encontro, quando a casa chegava.
No seu cumprimento não deixava de partilhar algo bem seu.
Entregava nas minhas mãos satisfeita, ora, o seu osso higiénico, ora um dos muitos brinquedos que tinha espalhado pela sala. O seu rabito erguido não cessava de abanar. Depois, corria, desenfreada para o seu canto no sofá da sala, só repousando quando lhe afagava a cabeça e, o seu lindo pêlo encaracolado.

A Kika, que, comigo partilhou os 12 anos da sua vida, estava sempre atenta a todos os movimentos como de um vigilante se tratasse.
Era cruzada. Sua mãe, caniche de pura raça, numa noite “perdida de amores” por um cocker, originou o misto.
Do pai, apenas “herdou” as patas que, eram largas com as unhas bem fortes.
Da mãe todo o demais.
Rafeira pois claro. Mas elegante, com atitude no porte, bonita como de raça pura se apresentasse.
O seu pêlo, de cor branca, "convidava-me" constantemente a acariciá-lo.

Creio não exagerar se disser que, o amor de um cão, ou de uma cadela para com o seu dono é, para toda a vida. Para um cão, ou para uma cadela, nada importa se o seu dono é rico ou pobre, se é desta ou daquela cor e, muito menos a sua condição de vida.
Desde que, o dono lhe retribua respeito pela sua liberdade, formas de estar, atenção e mimos, não sei se é justo dizer que, não há gesto superior no amor, lealdade e respeito. Direi que, o seu amor não se esgota, mesmo, quando por vezes são maltratados por gente de atitude, na grande parte das vezes, desenquadradas no respeito por todo o ser vivo.

A minha “caniche” não veio de França, país onde a raça é oriunda.
Inteligencia não lhe faltava. Enquanto pôde saltar para a minha cama, dormia aos meus pés.
De manhã, bem cedo, para o seu passeio matinal, acordava-me, ora lambendo-me, ora juntando a sua cabeça à minha, procurando saber pela minha respiração se estava ou não acordado.

Era natural Quinta do Conde , Sesimbra, veio para minha casa pela mão da minha filha Catarina, ainda não tinha 4 meses.
Levámo-la umas quantas vezes a visitar a família da menina que, a viu nascer e, quem por ela muito chorou na partida.
Deixávamos também observar os pais da Kika o seu rebento.
Como foram bonitos estes momentos.

Segundo os entendidos, esta raça de cão tem muita apetencia e agilidade na água, curiosamente a minha Kika não gostava de tomar banho.
Também era um martirio quando presentia a ida ao verternário. Termia como varas verdes.
Não imagino o seu sofrimento quando por lá esteve internada, uma semana, por sujeita a uma operação cirurgica para retirar quistos nascidos na barriga.
Morreu muito mais tarde.
O seu coração, as suas pernas, por avanço na idade, já não aguentavam os passeios pelo jardim.
Nunca foi privada de o visitar, por vezes, nos momentos mais criticos, levava-a ao colo .
Nunca deixou de ter a oportunidade de cheirar a relva e, de contribuir com as suas necessidades fisiológicas nos “territorios demarcados” .
Tenho muitas saudades desta minha grande amiga e, de a ter ao meu colo.

Na foto a Kika ao colo do meu neto Luis

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

HISTÓRIAS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS E NÃO SÓ (XXXII)


TROVAS ANTIGAS, SAUDADES LOUCAS

…Bom dia!
Bom dia! Retorqui.
…Queria falar com o JRP!
Quem fala?
…Fernando Bretes!
Pergunto interrogado; Fernando Bretes?
…Sim é (sou) o Fernando Bretes. Responde o meu interlocutor do outro lado da linha do telefone.
Conheço um Fernando Bretes! Concluo.
…Pois é, Fernando Bretes há só um! Sou eu e mais nenhum!
Pela resposta comecei a ter menos incertezas de ser o homem que, há décadas, não sabia do seu paradeiro. Não que, não tivesse perguntado por ele, mas quem me podia dar respostas, também a alguns anos não o encontrava.



Intrigado, foi a vez de o Fernando fazer as suas perguntas.
…Então de onde me conhece?
S. Domingos de Benfica, Bairro das Furnas, Bairro Grandela, Estrada de Benfica, diz-lhe alguma coisa?
…Claro que me diz, foram os locais onde cresci e vivi!
…Locais onde tenho a maior parte dos meus amigos de sempre!
…Mas, posso saber quem está ao telefone?
Claro que podes, sou o Raul Pica Sinos!
…Eh Raul que saudades! Que bom! Há quantos anos amigo!
…Como estás? Temos que beber um copo!
…Tens visto o “Cataré”? O José Caetano? Sabes, sou o padrinho do casamento dele com a Alice!
…Há anos também não o vejo.



O nosso encontro não se fez esperar.



Numa tarde deste Outono, levo comigo o amigo comum, José Caetano, ao encontro.
Em “volta” de um divinal bacalhau assado, com batatas a murro, bem regado com o “Esteva do Douro 2010” da Ferreirinha, tinto já se vê, no já célebre Restaurante Pancitas, em Queluz de Baixo, a conversa levou horas a relembrar o passado.

Antes no Café “Neusa”, em Queijas, naquele dia em que, o sol brilhou mais, foi bonito de ouvir, os justificativos pelo tempo de tanta ausência.
Naquele dia 20 de Outubro de 2012, os abraços sentidos foram bem fortes, sobretudo entre o padrinho e o afilhado.
Foi comovente observar umas quantas lágrimas caídas de alegria e, de afeição entre os dois amigos.



Bem mais tarde, com o aproximar do pôr-do-sol, com a promessa de um novo encontro para breve, os brindes da despedida com o vinho de Murça acontecem!
No regresso, no carro que nos transportou, o fado sucedeu!




Trovas antigas, saudade louca
Andam cantigas a bailar de boca em boca
Tristes bizarras, em comunhão
Andam guitarras a gemer de mão em mão



Chegados ao local da partida, à nossa espera a D. Alice, a irmã do meu amigo e, um conjunto de outras senhoras não menos amigas que, perante a nossa visivel alegria e satisfação, resultante dos diversos “saluté” pela vida e, por desejos da rápida dissipação da presente crise que, assola o país, receberam-nos sorridentes e, entusiasticamente falando.
A D. Alice, mulher do meu amigo de antanho, resolveu, dada a demasiada “satisfação” do seu homem, de pronto recolher aos seus aposentos, sózinha, não sabendo o autor deste registo, da existência, em sua casa, do chamado “rolo da massa” e, de um sofá com vistas ao merecido descanço do seu marido.

Notas:
A primeira foto resulta de uma montagem fotográfica da autoria da Teresa Carvalho as restantes são da responsabiliade do autor

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

FOI NUM DOMINGO DE OUTONO



 

O MEU PRIMEIRO ENCONTRO COM OS SUPANOS


Não sei precisar o dia que, ao telefone oiço uma voz muito familiar!
...Oh pai, a Lisa quer falar contigo, faz o favor de lhe ligar.
De pronto assim o fiz.
...Olha lá Pica Sinos, queres ir ao almoço convívio do pessoal da Supa, do teu tempo, é no próximo dia 14 de Outubro?

Instalada no Palacete Falcarreira, em Lisboa, mais propriamente na Rua do Salitre nº 136-1 º, a Casa do Ribatejo, tem, como todas as instituições no género, o objetivo engrandecer e prestigiar toda a região ribatejana.
Tem vindo a servir de ponto de encontro dos ribatejanos e amigos do Ribatejo a viver ou não na capital.

Não sei da motivação deste Encontro de Outono dos Supanos72/2012, neste tão nobre palacete, onde, a minha mulher, como boa ribatejana se sensibilizou e, muito, por estar em “sua casa”.
Também dizer que, foi com sentida satisfação ter recebido o convite para me juntar no almoço, com antigos colegas do “Pão de Açúcar”, eventos que, segundo me disseram, têm vindo a serem realizados há cerca de 13 anos.
Foi muito boa a tarde daquele domingo, 14 de Outubro de 2012.
Ter a oportunidade de ver, beijar e abraçar colegas que, há cerca de 4 décadas não tinha esse prazer, foi muito gratificante.


As conversas, as recordações, seguidas por um excelente menu da região ribatejana, certamente escolhido pelos organizadores foi tudo uma delícia.
O convívio foi muito animador e repleto de alegria.
Espero ser, numa próxima oportunidade, igualmente convidado.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

UM DIA DESTES APANHO O 28

…Oh pai! Porque não vamos dar uma volta no 28?
…No ponto de vista turístico é muito interessante!
…Os miúdos nunca andaram de electrico, eu, há muito, também não.
… Levamos a família, é capaz de ser giro!
…Alinhas?

Este convite fez-me lembrar os meus “passeios” por Lisboa, nos primeiros anos em trabalho na Robbilac, quando na função de paquete, na procura de obras em edifícios, sobretudo para restauro da pintura exterior.
Eramos 2 paquetes com esta função.
Eu e, o João Sequeira, percorríamos na maior parte a pé, a cidade em cruz. De Algés até aos Olivais, das Portas de Benfica ao Cais do Sodré, eram os nossos caminhos na procura das obrigatórias “balizas” em madeira que, a Camara Municipal mandava colocar, com vistas a sinalizar o espaço ocupado com a obra no edifício.

Tínhamos as trajectórias organizadas por rotas diárias. Se o meu camarada ia para o norte eu encontrava-me a sul.
Se no percurso lhe estava destinada a zona Este, eu estava situado a Oeste.
O giro visava os “cantos”, becos, azinhagas, ruas e avenidas da capital.
De quinze em quinze dias, as zonas eram trocadas o que, obrigava, fizesse chuva ou sol, num período de um mês, percorrer esta minha terra natal.
Objectivo: procurar as citadas e obrigatórias “balizas” em madeira, identificando o dono da obra, para posterior visita do vendedor, com vistas à promoção e venda dos materiais a utilizar.

Foi atrás referido que, a maioria do percurso, pelas ruas de Lisboa, era feito a pé.
É verdade.
Quando utilizava os “amarelos”, era na modalidade de “pendura”.
O dinheiro do custo dos bilhetes era-me ressarcido, a troco dos tickets que, entregava encontrados no chão.
Sempre dava para comprar uns cigarritos avulsos.
Tenho algumas saudades desse tempo.
Tenho saudades do “amarelo”.

Tlim, Tlim,
Vou aceitar o convite da minha filha Sofia.
Vou com a família apanhar o 28 e, “beijar” 4 (Castelo, São Vicente, Graça e Camões) das 7 colinas da cidade que me viu nascer.

Fotos:
Perdidas no Google

domingo, 14 de outubro de 2012

HISTÓRIAS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS (XXXI)


NÃO HAVIAM MULHERES, NA LUTA DO DIA-A-DIA, MAIS DEDICADAS
PELO BEM-ESTAR DAS FAMÍLIAS

No blog – (Histórias do meu velho Bairro das Furnas (IX)) – redigi um apontamento, narrando a luta das jovens mulheres, do meu velho Bairro das Furnas, pela sua emancipação, fundamentalmente no período dos anos 60.
É o meu ponto de vista!
Fui testemunha dos factos nessa década.
Ainda quanto à indumentária, é minha vontade acrescentar a esse meu apontamento, uma outra observação ao descrito no livro “O Nosso Bairro”, ora respeitante às mulheres não tão jovens, as suas responsabilidades com o lar, com os filhos, maridos e, com o trabalho.



Na presente análise, situo-me na época onde o regime defendia uma política fascista, social e económica que, a todos afectava, às mulheres duplamente.
Propagandeava-se que, para a sustentação de um lar estável, a função da mulher, esgotava-se no ato de dar à luz, na criação e na educação dos filhos.
Reclamar por trabalho fora de casa e, os mesmos direitos dos homens eram actos de rebeldia.
Por isso e, na senda, mesmo tendo em conta o regime sustentado, defendo convicto, neste meu pequeno sumário, que, não devo deixar passar, sem crítica, afirmações escritas de cariz algo duvidoso, atribuídas à generalidade das mulheres do meu velho Bairro.



No estudo das datas;
A autora do monograma inscrito no livro “O Nosso Bairro”, veio trabalhar para as Furnas em 1948, com a função de mestra da Casa de Trabalho das raparigas.
Tinha 20 anos de idade.
Infelizmente morreu em 1996.
Não deixo de referir que, durante 48 anos na observação do trabalho desenvolvido junto das mulheres jovens e, menos jovens, não observou a evolução, no tempo, das gentes do nosso Bairro.



Creio não haver dúvidas se, se referir que, o período da citada observação do trabalho, foi bem suficiente para emendar, reescrever, aprofundar e, investigar as realidades então vividas.
Lamento não o ter feito, porque ficaram para a história, afirmações incertas no monograma que, no geral, estão longe da realidade, são excessivas, algumas em desabono da vida e, da imagem das mulheres, por quem, pela autora, nutriam simpatia.



Também ressalvo não saber, se algumas/uns conterrâneas/os ficarão comigo “incomodadas/os”?
Escrevo sobre do que vi e, do que, procurei saber.
Sou sabedor das muitas simpatias das gentes do meu velho bairro para com a autora do monograma.
Também observei as razões dessas simpatias. Mas ninguém está acima das críticas, mesmo aqueles/as já impossibilitados/as de se justificarem ou defenderem.



Contudo, não é em vão e, sem razões, a atribuição na toponímia do novo Bairro, o seu nome, mas reafirmo; Não entender porque ao longo dos anos, não cotejou a evolução das gentes, com quem de perto e, por muitos anos acompanhou, como refere no prefácio do livro, a vereadora do pelouro da habitação social da C.M.L.

…Muito do desenvolvimento que tem caracterizado as Furnas é em grande parte fruto de um árduo trabalho e de muitas horas dedicadas pelos homens e mulheres que, lá vivem…

Este fragmento do prefácio foi escrito no ano de 2006, mas podia ter sido escrito 30/40 anos atrás, porque não deixava de ser verdadeiro.



As contradições:
Por um lado,
…Não há uma profissão dominante. Há entre os homens vários polícias, serralheiros, carpinteiros, operários especializados ou não, alguns empregados de escritório….
…Há também muitas mulheres a trabalhar fora do lar, especialmente como mulheres-a-dias, vendedeiras ambulantes, ou empregadas em fábricas….
…Os homens andam vestidos como todos os outros na cidade…



Por um outro lado,
…Na indumentária que cada um apresenta, influencia também muito, além dos vencimentos, a mão da mulher.
Se esta é desmazelada, ou não tem tempo, as crianças, o marido e ela própria andam muito pior vestidos, sujos, com nódoas….
Se ela é cuidadosa, toda a família brilha….



A contradição não está nos hábitos que eram (são) impostos à mulher.
Todos sabemos como no passado, a esmagadora maioria das mulheres era duplamente reclamada – no lar – pelos filhos, pelo marido e, duplamente explorada no trabalho.
Referir a mulher como “desmazelada” pela exibição das nódoas que, sistematicamente os maridos apresentavam na sua indumentária, é uma afirmação de elevada injustiça!
O homem onde quer que fosse, por força da sua profissão ou não, na fábrica, na oficina, no trabalho de rua, no escritório ou, na tasca, apresentava-se com a sua indumentária carregada de nódoas e, a “desmazelada” era a mulher.
Ao contrário, a mulher era “cuidadosa” se, o homem procurava trazer a sua indumentária sem nódoas.
Que raio!



Não consegui “decifrar” tal filosofia, a não ser que, muito tenha a ver com o escrito abaixo. Certamente por filosofias visando responder às exigências políticas do regime, com vistas a contrariar a luta das mulheres pela sua emancipação, pela igualdade dos mesmos direitos que, os homens usufruíam:



Refere a Mestra:
…A casa de trabalho, com as suas lições de corte e de costura, e com as novas noções que irão ser ministradas (por exigência politica) às rapariguinhas que a frequentam, sobre a economia doméstica e outros assuntos, certamente que irá ajudar a habilitar as futuras mulheres a mães para a nobre missão de educadoras e de donas de casa….



Como nota final acrescentar:
Nesta data procura-se reunir, um conjunto de textos de amigos/as, com vistas a fazer jus ao trabalho desta senhora que, sei ter granjeado nosso velho bairro das Furnas, diversas simpatias, junto da camadas jovem e não só.
Sou sabedor de diversas iniciativas que abraçou, sobretudo nos finais dos anos 60 e, durante a década de 70 que, ainda hoje a muitos/as deixa saudades.
Sei das suas muitas conversas com as raparigas na esfera do planeamento familiar que, em casa era proibitivo conversar.
Momentos altos foram as iniciativas do foro teatral que, dificilmente alguém, nos tempos seguintes as perdurou.
Será justo referir o relato deste trabalho no seu monograma.
Será justo também referir da obrigação de alguém o anexar.

Nota: imagem da mulher:
Fotomontagem de várias fotos perdidas no Google
da responsabilidade da furniana
Teresa Carvalho (Té)

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A "MINHA" MEIA LARANJA DO JARDIM ZOOLÓGICO




JÁ NÃO BROTA O “SUMO” QUE OUTRORA BROTARA


Durante meio século, poucas foram as modificações verificadas na “minha” meia laranja!
Direi mesmo, no passado, produziu muito mais “sumo” que, nos dias de hoje.
Agora, votado praticamente ao desamparo, sujo e mal estruturado, está longe de ter a mesma importância, brio e vivacidade de outrora!


Foi dado, a este espaço, o nome Largo Dr. Manuel Emídio da Silva, individualidade de reconhecido mérito, responsável desde 1904, por diversos cargos na administração do Jardim Zoológico, inclusive o de Presidente 1934/36.
O Largo em referência dava acesso, ao que, foi classificado durante muitos anos, de importante “ponto de encontro da cultura”.
Quem visitasse o parque zoológico, maravilhava-se pela riqueza da sua vegetação e, da fauna, carregado de muitos animais exóticos, importados de todos os continentes do mundo.


Tal relevância, na cidade e no país, mereceu neste Largo, a construção de um desdobramento do ramal (raquete como lhe chamam os entendidos) das linhas dos carros eléctricos, na carreira nº 1-Benfica.
A nova carreira (1-A), começava nos Restauradores, passava pela Av. da Liberdade, S. Sebastião da Pedreira, terminando no citado largo. Não me ocorre o custo do bilhete para o transporte dos passageiros. A não ser o preço do “operário” que, faço referência mais abaixo.
Foi também autorizado o estacionamento para os táxis que, chegavam, sobretudo aos domingos, a esgotar a toma!


Na verdade, toda esta movimentação originava uma vida diferente.


A visita das gentes oriundas, dos mais diversos locais do país, conferia-lhe uma vivacidade que, no presente já não se verifica.
Por muitas pessoas que, hoje, por ali passem, com excepção dos indivíduos com idade mais antiga, dificilmente ajuizarão, saberão, quão importante foi no passado este Largo, para quem por perto vivia.
Nas décadas de 50/60, em redor da “meia-laranja”, os carris dos carros eléctricos.
Em paralelo existia a praça dos táxis.
Recordo, na pequena banca de madeira, na frente da majestosa entrada do Zoo, a Ti Leonor, a vender amendoins, tremoços e diversas guloseimas.


…Olha o balão! É prá menina e pró menino. Olha o balão! Apregoava o seu filho “carregado” de balões de cores garridas, deambulando de um lado para o outro na estrada.
O “Estica” vestido de fato e, kiko branco. Vendia uma gulosice de cores diversas que, tinha o mesmo nome, transportada numa pequena mala, mais parecendo de viagem. O rebuçado já comprido, quando ao chupá-lo estendia-se até ao ponto de se poder dobrar.
“Olha o Estica” apregoava ele repetidamente.

“Século” ou “Noticias” também apregoava, com a sacola ao ombro, bem cheia de jornais, todos os dias, bem cedo, o Ti Zé jornaleiro. Pai do saudoso José Augusto, avô da Cristina e da Mónica Costa.
Como era simpático este Homem, bem amigo dos miúdos.
Pequeno só na altura.
Nas tardes, com a chegada dos vespertinos, “dispensava-me”, sempre meia dúzia de jornais, para os vender nos carros eléctricos, a circular na linha de Benfica.
Tem cuidado dizia-me ele. E eu como resposta cantarolava. “Olha o Popular”, “Olha o Popular”, imitando-o no seu pregão.
Era a oportunidade de andar na pendura no “americano”, sem levar com o alicate do “pica bilhetes” nas mãos.
Como fruto do “esforço” do trabalho sempre me dava, 20 ou 30 centavos, permitindo-me adquirir, à Ti Leonor, uma mão cheia de amendoins e pevides.
Que saudades do Ti Zé.


Recordo o pessoal na esquina do largo, no café “Jardim”, do Gonçalves, mais tarde pertença do Manuel.
Na frente da sua porta, sentados nas caixas da graxa, o “Digatim” e “Porto”, estalando a bom estalo com o pano no sapato do cliente, quando lhe puxava o lustro.
Freguesia ao fim-de-semana não lhes faltava.
Já no final da década, lá dentro do café, existia uma caixa de discos “Jukebox”, onde os jovens colocavam moedas para a fazer funcionar, possibilitando ouvir as músicas e as canções na “berra”.Elvis Peslay, Paul Anka, Little Richard, entre outros.


Ao lado deste café, uma tasca, segue-se o lugar das frutas e hortaliças da Ti Maria e, a petisqueira Caravana.
Mais tarde e, logo ao lado, surge o restaurante “Coral”.
Situado na outra esquina, apresentava-se já o café “Riviera”. Antes, no mesmo local, a tasca do Flores, onde também se vendia carvão ao fundo da mesma.

O primeiro carro eléctrico a partir do Largo era às 5 horas. O carro eléctrico, classificado “para operários”, funcionava ente as 5 e as 7 horas da manhã.
O preço do bilhete custava então 6 tostões.
Era mais caro fora daquelas horas. Ia sempre cheio.
De 15 em 15 minutos partiam. Os horários eram religiosamente respeitados. Algo que, o rapaz, por vezes não honrava por tarde acordar.
Não foram raros os momentos que, saturado da espera do tempo para as saídas dos carros eléctricos nos horários seguintes, sem rebuço, imitava o assobio do “apito de marinheiro” que, o expedidor usava para dar o sinal ao guarda-freio, quando chegada hora da partida.
Quando “pegava”, era digno de se ver o espanto de expedidor, tendo em conta a “desobediência” do condutor.
Apitando o assobio de forma desordenada, o expedidor fazia parar o carro eléctrico, já situado na estrada de Benfica

…. Onde vai? Dizia o expedidor
…. Não mandou partir? Respondia o colega

A risada não se fazia esperar.

Após os jogos no estádio do S.L.Benfica, era costume, os espectadores deslocarem-se, a pé, na direcção da estação do metro em Sete-Rios.
Quando o Benfica perdia, os largatões, não se esqueciam de aparecerem, na porta do café “Jardim”, para abespinharem os benfiquistas.
Antes, acendiam uma ou mais velas, em sinal de “luto” que, colocavam nas águias existentes, no cimo dos pedestais laterais da entrada do Jardim.

Hoje, são diferentes os tempos.

Com a construção da nova entrada do Jardim Zoológico, na frente da estação do metropolitano e, com o desenvolvimento deste importante transporte, a importância do Largo, já não se faz sentir como outrora.
Com a falência do “americano” no circuito da carreira 1-A, os carris foram retiradas, assim como a paragem dos táxis.
A velha, mas sempre majestosa, entrada do Jardim Zoológico, na frente do Largo foi fechada.
Mais recentemente, na restauração das torres, o relevo das paredes não foi respeitado, em clara ofensa à sua antiga arquitectura.
Verificar as suas cúpulas sem brilho, e amolgadas pelo tempo, não faz sentido.
Ao que parece só as ervas daninhas lhe fazem companhia.


No muro que acompanha o círculo, foi retirado o painel alusivo à Revolução do 25 de Abril de 1974.
O quiosque já não é utilizado por degradado e abandonado há anos.
Já não se verifica a estima e a vivência de outrora!
No entanto creio ser o tempo de algo ser reparado e respeitado!

È urgente dar mais vida à “nossa” meia-laranja!


Não sei se a existência dos caixotes do lixo, na linha de corte com a Estrada de Benfica, mesmo na frente da majestosa entrada do Zoo, será o “monumento” mais indicado, para glorificar os tempos e as pessoas do passado?

Foto do Largo:
Montagem da responsabilidade do autor.
Foto do Ti Zé jornaleiro:
Cedência da neta Mónica Costa.
Foto do bilhete operário:
Luís Cruz-Filipe
Foto das torres do Zoo:
Da responsabilidade do autor.
Mural:
Foto cedida pelo criador do mural