quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O MEU BAIRRO DAS FURNAS E AS BICICLETAS X

OS MENINOS SABIAM ANDAR DE BICICLETA--IÔÔH

Era vermo-nos vaidosos e felizes por termos, mais uma vez, a oportunidade de andar de bicicleta. A alegria foi de tal forma que não deu para verificar que as horas passaram mais depressa.

Não sei se ainda existe, no Campo Grande (Lisboa), o espaço que era dedicado à rapaziada da minha geração visando ou proporcionando a aprendizagem e o uso das bicicletas. Assim como, não sei se ainda existe um outro espaço contínuo, reservado a mais velhos com vistas a aprender ou praticar o uso de motociclos.

Lembro que as bicicletas, na maior parte, eram velhas e apenas com um travão na roda traseira. Excepção para as que eram consideradas de corrida.
Os motociclos eram da marca Famel (entre outras marcas), predominando a pintura de cor prateada. Só eram cedidos a quem tivesse mais de 15 anos e deixasse como garantia o bilhete de identidade.

O aluguer das bicicletas, tinham, quando eu menino, valor diverso em função do modelo e do tempo de utilização. Alugar uma pequena bicicleta, no tempo de uma hora, pagava-se então 5 escudos. O aluguer das “aceleras” era bem mais caro. Que inveja e tristeza me faziam os “motoqueiros”, quando da sua passagem bem barulhenta.

O meu salário quando comecei a trabalhar, aos 11 anos, era cerca 2$50 por dia, dinheiro que no final da semana era entregue à minha mãe.
Como podia ter dinheiro para alugar, por uma hora, a bicicleta que tanto cobiçava?
Não era fácil. Só possível se juntado aos tostões das gorjetas, o dia de salário que minha mãe me dava, e ainda um ou outro centavo do troco que rapinava quando ia aos recados.

No meu Bairro das Furnas, a esmagadora maioria dos moradores era de condição pobre. Nós, miúdos, brincávamos com os brinquedos que fabricávamos. Éramos muitos solidários. Facilmente trocávamos os brinquedos, os nossos carros de esferas. A bola de catechu que tinha saído nos “bonecos da bola”, era emprestada a todos quando em desafios. Cedíamos os bilhetes do eléctrico/autocarro repetidos na colecção, por vezes em troca de nada. Quem não tinha bilas, peão ou caricas, não deixava de jogar.

Um dia, um menino com dinheiro suficiente para alugar, durante uma hora, as tão cobiçadas bicicletas do Campo Grande, pela tarde, resolveu por pés a caminho, não só no propósito de alugar uma, mas também decidido a traçar um percurso para longe da pista que lhe estava normalmente reservada.

A chegada do menino ao bairro, foi de festa para todos aqueles que o esperavam. E um a um, deram uma voltinha pelo meu velho bairro.
Era vermo-nos vaidosos e felizes por termos, mais uma vez, a oportunidade de andar de bicicleta. A alegria foi de tal forma que não deu para verificar que as horas passaram mais depressa.
Aflito, o menino, procurou saber por todos os “ciclistas”, se havia dinheiro suficiente para cobrir a despesa, que o tempo extra acumulou. Todos ficaram calados. Não havia!

Então o menino, sem qualquer rebuço, propõe:
Malta, vamos esperar que o dono das bicicletas as recolha e abandone o local.
Depois é só colocar a bicicleta no devido lugar e pirar.
Dito e feito. Já noite, perto da pista vazou-se um pneu da bicicleta e, os 2 ou 3 meninos da aventura, deixaram o velocípede encostado numa qualquer árvore das muitas existentes no Campo Grande. Obviamente, que o tempo extra da posse nunca foi pago, até porque a bicicleta “avariou”.




fotos: Gloog

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

NO QUINTAL DO MEU BAIRRO DAS FURNAS IX

NEM SÓ AS ROSAS METIAM COBIÇA
No meu antigo Bairro das Furnas, a minha morada de casa, na sua frontaria, tinha um pequeno quintal que, para além de muitas flores, detinha duas árvores de fruta, um pessegueiro e uma macieira.
Quem o tratava e se preocupava por estar sempre arranjado e bonito, era a minha querida mãe, a D. Georgina.

Este meu quintal era separado por um corredor de ripado pintado de cor verde. Num dos lados, tinha plantado na sua extensão uma roseira. Brotava as chamadas rosas príncipe preto. As suas pétalas eram de um impressionante vermelho aveludado. Amiúde via a vizinhança a admirar a beleza de tais rosas e, o desejo de as possuir. O roseiral era de tal forma bonito e cobiçado que, foi determinado pela minha mãe, a proibição de arrancar as rosas por quem quer que fosse. Dizia, então…as minhas rosas são para nascer e morrer na roseira.

No outro lado do corredor, a acompanhar também o ripado na sua extensão, estava plantado jarros brancos. Minha mãe chamava-as de “flores de casamento”. Apareciam com a primavera, mas proliferavam sobretudo na estação Outono/inverno.
A D. Georgina costumava decorar a sala da entrada da minha casa com estas flores, e oferecer às vizinhas quando lhe pedissem.

De resto o quintal estava provido de alguns alvéolos/canteiros com amores-perfeitos de cor variada, cravos e crisântemos. E vasos com outros tipos de flores cujo nome desconhecia.
Se bem que gostasse de tudo no meu quintal, eram os jarros que me metiam grande cobiça. Sobretudo a espádice amarela que existia (existe), bem no meio da flor. Travesso, sempre que tinha a oportunidade, enfiava os dedos no fundo do “copo”, lá se ia o “filete”. Ficando eu, com os dedos pintados de amarelo, ocultando tal travessura (até um dia) aos olhares da minha mãe.

Em conclusão: Uma dada vez não me contentei a arrancar o “amarelo” de uma só flor. Apanhado, nem tive tempo sequer de esconder as mãos de algo ”pintadas”. A D. Georgina, do molho de jarros que arrancou, sem o “dito cujo”, não se fez rogada em o espatifar cá no rapaz, enquanto procurava eu, fugir a toda a velocidade do quintal.