terça-feira, 25 de outubro de 2011

AS "VELHAS" DO MEU BAIRRO DAS FURNAS XII

Oh Ti Georgina! Chama alguém junto da cancela do quintal.
Quem é? Retorquiu.
Sou a Adélia.
Diz filha…, o que queres?
Olhe: A sua roupa que está estendida no estendal, já está toda enxuta. Eu preciso dos arames!
Ah é? Então vou já querida, vou já.

Por causa da ocupação, por uma só pessoa, de muitos dos arames por via da roupa estendida, havia por vezes discussão.
A Ti Georgina, bem cedo, ocupava quase todos os arames do lado direito do estendal do lavadouro existente ao fundo das ruas do Bairro.
A roupa que lavava, proveniente do Laboratório onde trabalhava, era imensa. Sobretudo toalhas, batas e alguns lençóis da casa das doutoras, que quando penduradas nos arames e estendidas no chão ao sol, pouco espaço deixava. Principalmente para quem também tinha muita roupa para estender.

As “velhas” do meu Bairro, em especial as da minha Rua, porque melhor as conheci, eram, (algumas felizmente ainda vivas), gente muito humilde, simpáticas e de bom trato para com todos. Sobretudo com as crianças.
Respeitavam o próximo e faziam-se respeitar.
Quase todas analfabetas, mas conhecedoras da vida como ninguém.
Eram “mestras” em ultrapassar as dificuldades com que se deparavam e, não eram embaraços tão pequenos como isso.
Eram tempos muito difíceis.
Quantas vezes comiam mal, para que o pouco que tinha não faltasse aos seus filhos e quiçá maridos.
Contudo, diga-se, que nem todas as “velhas” do meu velho Bairro das Furnas, pautavam pelo mesmo grau de dificuldades. Umas tinham menos dificuldades que outras. Mas todas tinham vidas sofridas. Contudo, também sabiam rir e brincar, sabe Deus, muitas vezes, a que custo.

Onde vais Georgina? Diz-lhe uma vizinha ao vê-la subir a rua dos Plátanos. Vou à praça. À Cármen. Vou fazer contas com ela, e comprar uma cenourita. Talvez também um nabo para pôr na sopa.
Olha…Não vou demorar. Tenho o feijão ao lume, há duas horas, e o “cabrão” ainda não cozeu. O Adriano vem comer ao meio-dia, não me posso atrasar.

A Cármen, vendia, frutas e as hortaliças na praça. Cujo edifício detinha diversas bancas de produtos hortícolas e de frutas. Também era provido de talho, padaria e mercearia. Ficava situado na entrada do Bairro.
A Cármen era uma mulher alta e bonita. A sua voz era forte. Amiga do seu amigo. Sabia das dificuldades de todos os seus clientes, e sempre que saldavam as contas ao “rol”, ajudava, na nova encomenda, com a oferta de uma ou outra peça da sua bancada.

Como eu recordo: Da mãe da Beatriz. Da mulher do Ti Cardoso, mãe do Meca. Da Ilda (dos óculos), da Ti Carolina. Da Ti Engrácia, da Ti Teresa, que vendia azeitonas e morava em frente à casa da Olga. Da Ti Rosa, da Ti Irene.
Como eu recordo: A mãe (e da irmã) do Zé Koi, que mais tarde foram para a rua das Oliveiras.

Como eu recordo: Da Maria do Carmo, Da mulher do alfaiate, que morava em frente à minha casa. Da Ti Matilde infelizmente pouco me lembro. A Ti Josefa, alentejana e mulher do sapateiro, que o seu ritual diário era estender, em panos colocados no chão, as ervas e pétalas das flores, que colhia, secando-as ao sol, destinadas à venda para chá.
Como eu me lembro da Adélia, felizmente ainda viva. A Ti Herondina a mãe da Maria Damião, filha do Ti Geraldino. Um dia escreverei sobre este extraordinário homem. Quem não se lembra da Paulina que vendia lexívia e que morava na primeira casa na parte de baixo da rua dos Plátanos.

A minha casa, a pretexto do romance do “Tide”, que passava todos os dias na rádio, pela tarde, depois do almoço, era palco de encontro de diversas vizinhas.
Quer o romance, quer o que se passava depois dele, o que conversavam/contavam umas às outras, não me preocupava saber.
Confesso que não gostava de romances e muito menos de “encontros de cusquice”. Se bem que não podia deixar de as ouvir, mesmo fechando a porta do meu quarto.
Num dia… diziam as cenas passadas ou ouvidas de personagens suas vizinhas ou não. Salvaguardando o escárnio e o mal dizer, de alguém que pudesse estar presente.
Num outro dia… o “fado” era o mesmo.
Comentava-se as cenas de quem esteve na reunião anterior, e outras cenas entretanto acontecidas. Faziam uma espécie de “acta falada”.
Sabes o que disse a….daquela que mora…
O marido da fulana… bateu-lhe com a bebedeira.
A sujeita tal… deve-me dinheiro que lhe emprestei e há duas semanas e ainda não me deu. Se o meu marido sabe, tenho “sermão”.
O miúdo da…tem a cabeça cheia de piolhos…
O filho da…está com anginas.

Todos nós, rapazolas, respeitávamos as “velhas” do nosso Bairro. Mas também é certo que gostávamos mais de umas de que outras. Daquelas que nos metiam medos, dizendo que iam fazer queixas às nossas mães, quando encetávamos as barulhentas brincadeiras, gostávamos pouco. Não gostávamos mesmo nada, daquelas porque “dá aquela palha”, faziam queixas ao fiscal Costa. Como era o hábito da personagem chamada Estrela que à beira da sua casa tinha uma palmeira.

Desta senhora, a Estrela, não era só os miúdos que tinham medos. A vizinhança dizia que era irmã da governanta do Salazar. Se era ou não, da fama não se livrara. Como era uma senhora muito altiva, quiçá arrogante, as “conversas” com as suas vizinhas ficavam-se, por uns (entre dentes) bom dia ou boa noite, e mais falas não haviam.

Como eu recordo: A mãe do Luis Filipe, no seu passo pequeno mas ligeiro, a subir a minha rua. A mãe dos irmãos Espinha. Da do Armando Claro, da do José Silva, da Ti Virgínia, entre outras.
Fora da minha rua dos Plátanos, também recordo com saudade: A mãe do “Rabaloto” que era peixeira. Da mulher do Caixinha que era revisor da CP. Da Julieta, mãe do Cataré, Alipio e da Clarisse. Da ti Amélia que vendia fruta numa carroça. Da Pomposa das mamas grandes e de outras tantas.
Que saudades meu Deus.

Dada a proximidade do Bairro ao Jardim Zoológico e quando o vento soprava a norte…
Numa dessas manhãs, oiço perguntar:
Olha lá, não ouvistes toda a noite o uivar dos leões e o cantar dos pavões?
Não dormi toda a noite!
Não filha, não ouvi! Retorquiu a Ti Georgina.
O que ouvi, e que não me deixou dormir toda a noite foi o ressonar do meu marido, com a ressaca da bebedeira de ontem à noite! Raios o partam!

Nota:
A identificação de parte das personagens teve a ajuda de alguns/mas Furnianos

A imagem foi tirada dop Google

sábado, 8 de outubro de 2011

OS RAPAZES DA RUA DOS PLATANOS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS XI

No meu velho Bairro das Furnas, a maioria das crianças eram rapazes. Havia raparigas, mas, o que me dava observar, eram em número inferior. Não me é possível a esta distância, enumerar todos aqueles com quem convivi nas brincadeiras. Tenho relembrado em modestos escritos, alguns com quem partilhei “patifarias” próprias da época. No entanto há lacunas quanto às brincadeiras com as raparigas. Também brincava, mas menos. As mães, os pais e sobretudo as avós, não achavam lá muita “graça” as meninas brincarem com os rapazes. Hoje, o pensamento, felizmente, é diferente para melhor.

Pelas razões atrás aduzidas, torna-se mais fácil “rabiscar” sobre os garotos da minha rua do meu velho Bairro das Furnas. Rua esta que me viu crescer, viver e partir para casar com uma linda rapariga, que dá pelo nome de Maria Emília, mãe das minhas 2 filhas e com quem ainda hoje, felizmente, partilho a vida.

A Rua dos Plátanos, como a maioria das ruas, era dividida por 2 lanços. Moravam no lanço de baixo 4 rapazes. O José Silva, os irmãos Fernando e Carlos Espinha e o Bica que já faleceu. No lanço de cima habitavam mais 12 rapazes. O Luís Filipe, o Luis Damião, o José Fernando, os irmãos Manuel e Valdemar, o Fernando da Carolina, o Raul Pica Sinos, o Julio da Rosa, o Pedro da Engrácia,o Luís Augusto, o Emílio e o Pisco este também já falecido. Havia ainda outros rapazes com idades que já se situavam na esfera da adolescência. Sendo que as suas “brincadeiras” já eram outras. Lembro o Zé Koi, Zé Camacho, Zé António, o Américo, e irmão mais novo da Ilda e da Mariazinha.

Os miúdos do meu Bairro das Furnas, aquando da idade escolar da 1ª à 4ª classe,
tinham brincadeiras, que hoje são raras por diferentes, Se bem que, já naquele tempo, havia miúdos que residiam nos arredores do Bairro, resultante do estrato social dos seus pais tinham algumas diversões que os seus vizinhos miúdos do bairro não podiam achegar.
Essa diferença levava a que alguns moradores nos arredores e “turistas”, tivessem o descaramento de afirmar, que os residentes das Furnas, eram gente problemática no sentido pejorativo.
Problemático da cabeça era quem o afirmava.

Os problemas que existiam eram derivados da pobreza da vida. Sim. Existia muita tristeza na maioria das casas por continuarem a ver os seus filhos mal calçados e mal vestidos. Os seus filhos não tinham acesso aos brinquedos que os outros meninos tinham e, que aqui e ali as montras mostravam. No entanto apesar das dificuldades, os miúdos do meu bairro também brincavam. Faziam os seus próprios brinquedos. Eram felizes com o que tinham. Eram pobres, mas as portas das suas casas no meu velho Bairro das Furnas nunca se fechavam à chave.

Diz o ditado que, com os rapazes nem o diabo se metia. Tínhamos que brincar. A brincadeira mais fácil dos miúdos da minha rua, depois das aulas, era fazer pequenos “desafios”, no cruzamento da rua que dava para o estendal comunitário. Lembro-me uma vez da gritaria da “habitante” da casa de esquina, na frente à casa do Luís Filipe por ter sido “flagelada”, por um chuto na bola menos certeiro.



Suposto era a bola ir na direcção baliza feita de pedras. Não foi. A direcção da bola foi nas chapas de lusalite que cobriam a parede exterior da casa, partindo-se umas quantas. Digo umas quantas porque não deu para ver o efectivo estrago, tendo em conta a fuga então desenfreada.
O fiscal Costa, por queixa da prejudicada, veio de pronto cobrar o prejuízo. Sendo certo que a “brincadeira” não acabou aqui. Depois de feitas as contas, e saldadas com o fiscal Costa, eram “ajustadas” outras contas lá em casa. E durante alguns dias, ficávamos, com as orelhas a arder e não só, e no “banco” sem jogar.

Como eu gostava de abraçar, hoje, os rapazes do meu velho Bairro das Furnas.