terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O MEU BAIRRO DAS FURNAS - VI

A minha mana foi responsável pela minha protecção e educação, quando miúdo, no espaço e no tempo do trabalho dos nossos pais. Encontramo-nos de tempos-a-tempos, se bem que lhe telefone amiúde, para saber do seu estado de saúde.

Rija como a nogueira, vencedora da mais cruel das doenças, sempre corajosa perante novas ameaças, mas a sua postura é triunfante. Sorridente, simpática, de coração sempre aberto, aos 77 anos de idade não deixou de ser uma mulher elegante e bonita. A sua presença e a sua beleza, registo com vaidade.

Não é natural do bairro, mas foram largos os anos que lá teve morada. Numa primeira vez, no velho bairro, por mais que uma década, em casa de minha mãe, com o seu marido e uma filhinha. Sai do bairro para uma casa nos Restauradores com melhores condições de habitabilidade, tempos mais tarde nasce-lhe mais uma menina.

Os anos “voam” como flechas, as filhas casam e quando, na companhia do seu marido, regressa pela segunda vez para cuidar da nossa mãe, as casas que vieram substituir as do velho bairro, já estão prontas. Hoje, no bairro, mora sozinha com saudades dos que partiram.

Raul, onde vamos almoçar?
Diz tu Lena!
Olha; vamos ao Carvoeiro, come-se bem e não é caro.
Interrogo-me com o nome deste restaurante, é-me familiar, mas nada digo e deixo-me conduzir pela rua de S. Domingos de Benfica que, dá acesso à Estrada de Benfica e ao Palácio Fronteira, onde funcionava a antiga Escola Comercial Pedro Santarém.

Como eu recordo o passado! Nesta rua, em frente à Leitaria do “Manel”, a drogaria já não existe. Mais abaixo o barbeiro também não. Mas a tasca do carvoeiro, que tinha atrás do balcão o taberneiro velho e chato, resistiu.

Lembro-me do tasco, quando era encontro de muitos trabalhadores que, nos finais dos dias e dos seus trabalhos, por ali confraternizavam, ou num qualquer jogo de cartas. Não só vendia vinho como tinha acoplada uma carvoaria que, mais tarde, com o desacostume do uso do carvão, foi convertida em “salão” de jogos dos matraquilhos. Hoje, apresenta o mesmo visual quanto à tasca, mas o espaço interior, o velho salão dos matraquilhos, foi transformado num modesto restaurante – Adega S. Domingos – o “Carvoeiro” como lhe chamam os que por lá moram há muitos anos.

Sentado numa das mesas a saborear o ensopado de borrego, procurava responder à conversa com a minha irmã, mas ao mesmo tempo recordava com nostalgia, este espaço, outrora palco de grandes jogatinas. Nunca consegui meter os golos na baliza adversária como com a perícia do Beirão. E quando eu na defesa, este meu amigo, que não sei da sua sorte, fazia rolar as bolas entre os três primeiros jogadores e chutava-as, de tal forma rápida, que não conseguia aperceber-me de que lados entravam na baliza.

Eu e a minha heroína, confortados e de barriga cheia, subimos a Rua de S. Domingos em direcção ao Bairro. Na entrada, encontramos uma velhinha que me olha interrogada, mas de pronto esclarece a minha irmã. Este é o filho da Tia Georgina, é o meu irmão Raul. Pois é! Responde a sujeita que no mesmo tempo me dá dois calorosos beijos, não sem antes dizer - que saudades tenho da tua mãe - parece que a estou a ver no carnaval, mascarada e divertida com todos…hoje já nada disso se vê por aqui.

Na minha frente vejo um prédio, que me parece uma torre. Outrora era o edifício da praça, que na sua frente tinha um ajardinado e um pequeno largo. No lado oposto um outro edifício onde funciona o Centro Extra Escolar e a Mocidade Portuguesa.

Como eu me lembro da Carmen, que na praça vendia as frutas e as hortaliças!
A Carmen era uma senhora alta e de viva voz.
Anda cá Raul…leva isto que comprou a tua mãe…leva com cuidado filho, não estragues!
Do lado esquerdo, mais uma banca de frutas e legumes. Por detrás, a padaria e o talho. A pequena mercearia ficava no lado direito para quem entrasse na praça. O edifício era servido com 3 ou 4 degraus e 2 portas, largas e gradeadas, entre os pilares.

Em direcção à casa da minha acompanhante, paro no Largo que homenageia a D. Mª de Lurdes Pais Gomes, assistente social e mestra da Casa do Trabalho no bairro. Recordo as festas que me fazia quando na idade escolar. Tenho pena que ainda não se tenha alcançado igual reverência com as professoras primárias, em especial a D. Maria Helena.

Enxergo a correnteza das casas existentes rua abaixo – Rua Costa Mota – outrora o sítio da horta e dos viveiros para jardim que o Sr. Zé (o jardineiro) cuidava diariamente. “Vejo”, em frente da sebe, algumas das ruas do velho bairro. No regresso ao passado, “vejo” no meu lado esquerdo, não as novas casas, o parque infantil, mas sim a rua onde morava o Sr. Caixinha, revisor dos comboios da CP e na parte de baixo o Rabaloto. Logo a seguir, a rua do “super-rato”, do Francisco Lambuças, e do barbeiro. “Vejo” a minha rua, a dos Plátanos e, já no fundo da correnteza, no princípio da Rua dos Choupos, “vejo-me” apoiado no ripado do quintal da Amélia. Hoje é Largo Calouste Gulbenkian.

Ao despedir-me da minha irmã, deparo, com saúde, o Zé Silva e o Rabaloto. Chamei pela “Bigodes”, grande amiga da minha mãe e visitante assídua da minha velha casa. Não me ouviu ou não estava. Estará certamente para uma próxima visita, à minha querida irmã e às minhas origens.

Fotos: Com o devido respeito
Do Bairro novo – Google Earth
Do Bairro velho – Do livro O Nosso Bairro –
Mª de Lurdes Pais Gomes e da Comissão de Moradores

domingo, 15 de novembro de 2009

O MENINO, OS MÉDICOS, O JARDINEIRO E O GAFANHOTO


Vamos deixá-lo aqui no parapeito da janela, disse o Sr. Joaquim. A lua quando chegar vai curá-lo e vais ver que, amanhã, quando te levantares e vieres espreitar o gafanhoto, ele já terá partido e, certamente a saltitar, pois foi curado pela lua por força do seu luar.

Já passaram, muitos, muitos anos. Tinha cerca de 6 anos, quando fui atormentado por uma febre reumática, levando-me ao internamento, durante 2 a 3 meses, no Hospital do Rêgo.

O mal principiou por fortes dores na garganta, febre muito alta, grandes inchaços, não só na zona do pescoço mas por todo o corpo, acompanhadas por dores nas articulações, sobretudo nos joelhos, que me dificultavam no andar.

Minha mãe preocupadíssima consultou o médico no Centro Social do Bairro, fornecendo-a de remédios, pois segundo o Sr. Dr., era uma amigdalite comum e típica nas crianças em idade escolar e nos adolescentes, só que, passados 3 dias, as maleitas e os inchaços no corpo, não apresentavam sinais de abandono, pelo contrário, agravaram-se, assim como se agravaram as dores, agora espalhadas por demais articulações.

Pobre mãe, de profissão servente de limpeza, quando se apresentou ao serviço no Laboratório onde operava a Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos, situado no Calhariz de Benfica, chorava de tristeza e de dor pelo infortúnio do seu menino.

As colegas, doutoras, ao saberem as causas de tal pranto, uma delas, a Dr.ª Maria de Lurdes de Vasconcelos, de imediato à fala com o marido que, era interno no Hospital do Rêgo, pede-lhe rápida consulta e, nas horas que se seguiram, o médico, já no Bairro, sentenciou e transportou o menino, com vistas ao seu internamento, de pronto, no hospital onde trabalhava.

O Hospital do Rêgo, fundado em 1904, hoje Hospital Curry Cabral, estava (está) situado entre o Bairro Santos e as Av. Novas, paredes meias com a estação ferroviária do Rêgo. É uma das mais antigas unidades hospitalares do país, e sempre se distinguiu pela excelência do corpo clínico e pelo seu elevado grau de humanização e perfil tecnológico.

As enfermarias, à época, eram térreas e rodeadas de jardins, sobretudo por canteiros arrelvados, bem tratados, aqui ali, neles plantadas roseiras e outras flores e ainda algumas árvores que me pareciam serem de frutos.

Internado com outros doentes com idades muito superiores à minha, não podia, receber visitas dos meus familiares. As visitas só eram feitas pela Dr.ª Vasconcelos e pelo marido, e este último, por força da sua especialização naquele hospital para doenças infecto-contagiosas.

Tinha a oportunidade, de quando enquanto, pela janela da enfermaria, aberta pelas manhãs, por um curto período de tempo, de ver ao longe, para lá dos jardins, o acenar da minha mãe que, sorridente e feliz me enviava, transportados pelo vento, beijinhos ora arremessados pelas suas lindas mãos já enrugadas.

Dos poucos momentos que as janelas da enfermaria estavam abertas, também podia, não todos os dias, ver e chegar à fala com o Sr. Joaquim, o jardineiro e, acompanhar a sua arte no tratamento constante do canteiro ajardinado que, ficava logo abaixo do parapeito da janela. Ele respondia às minhas perguntas, sobretudo nos cuidados a ter com as roseiras, pois no quintal da minha casa, lá no Bairro, minha mãe também as tinha plantadas.

Num desses dias, quando no momento da faina do Sr. Joaquim, não gostei de ver este meu novo amigo esborrachar um gafanhoto que se alimentava, nas pétalas, numa das rosas. Eu adorava a bicharada e, era comum transportar em caixas de fósforos vazias; lagartixas, cigarras, besouros, gafanhotos e outros bicharocos que apanhava pelas árvores do bairro e mesmo fazer deles, com a restante miudagem, trocas por “bilas” e tampas de caricas, com vistas a engrossar o pequeno saco de pano que sempre me acompanhava nos bolsos das calças.

O bom homem, ao aperceber-se da minha tristeza, procurou desculpar-se, dizendo que não era sua intenção esborrachar o gafanhoto, mas sim fechá-lo na mão para me oferecer, mas com medo que fugisse, se tinha descontrolado na força ao apertá-lo. Acrescentando que não me preocupasse, pois ele voltaria a saltar e a voar, explicando:

Vamos deixá-lo aqui no parapeito da janela. A lua quando chegar vai curá-lo e vais ver que, amanhã quando te levantares e vieres espreitar o gafanhoto, ele já terá partido e certamente a saltitar, pois será curado pela lua por força do seu luar.

E assim foi. Pela manhã do dia seguinte constatei, satisfeito, que o gafanhoto tinha “abalado” e provavelmente já “curado”. Nunca mais vi, o Sr. Joaquim, a maltratar os bicharocos visitantes das suas flores, nos lindos jardins do hospital, que tão bem zelava.

Imagens e fotos:
Do Hospital – Flickr/Yahoo
Do Laboratório já desactivado – Paulo Ferro/cidadamialx/Google
O Gafanhoto – Google/Desenhos animados

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O MEU CARRO DE LATA

DIGAM LÁ SE NÃO TÊM INVEJA DOS SABERES E DO TEMPO

Onde vais? Dizia-me, da porta da entrada da casa, a minha mãe.
Vou dar uma voltinha com o meu carro, respondi.
Qual carro? Pergunta-me com a sua voz já com os decibéis acima do volume considerado normal.
O carro de transporte que eu fiz – respondo quiçá meio feliz meio a medo, afastado quanto bastasse - mostrando-o dependurado pelo arame que lhe servia de volante, pois tinha dúvidas que os seus lindos olhos azuis, não ficassem arregalados e consequentemente as suas mãos “trabalhassem”, quando se abeirasse por perto do “engenheiro”, já com a construção pronta a rolar no asfalto da rua onde vivia.

Dá cá o carro e vai ao vinho para o jantar do teu pai!


Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.

A taberna do Sr. Manuel ficava na entrada do bairro, mais propriamente num dos lados do Pavilhão da Praça e tinha ligação à mercearia que também era dele. O balcão era de mármore a todo o comprimento e dava-me, em altura, pelo pescoço. As pipas estavam encostadas às paredes, mesas e bancos não haviam dada a sua pequena dimensão. A restrição à entrada dos miúdos não acontecia, mas só era possível a permanência no tempo do atendimento.

De garrafa na mão, com meio litro de vinho para o jantar do Adriano, meu pai, venho em correria rua abaixo, pois não queria deixar de apresentar, enquanto era dia, o meu novo “modelo” de transportes de mercadorias aos outros putos do bairro.

As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo

Mas em que consistia tal relíquia?

Este meu carro de “pesados” era construído com 4 caixas de latas de graxa redondas, que faziam de rodas ligadas em eixo, sendo o chassis composto por duas caixas de latas de conserva de atum rectangulares, tudo ligado por arame. Por fim levava à altura da barriga, uma gancheta às rodas dianteiras a fim de o poder manobrar.

O carro podia levar 3 caixas de latas de conservas, mas não mais, senão, “abarrigava” com o peso e, arrastava pelo chão. Era preferível fazer um atrelado, apenas com duas rodas a trás e engatado ao carro da frente, como qualquer TIR de hoje.

Duas das caixas da graxa que iam servir de rodas, foram-me dadas pelo Sr. Joaquim, o sapateiro, fruto das conversas em algumas tardes que, sentado no parapeito da janela que rasava o chão do passeio, o via na arte a trabalhar e na esperança que a graxa depressa se esgotasse.

Era muito pequena a oficina. Estava situada na Rua das Furnas, mesmo na entrada do bairro. Lá dentro, a um dos cantos, a máquina de cozer, de resto, as paredes eram cobertas de prateleiras com sapatos de sola (poucos), também de pneu ou borracha (muitos), outros devidamente restaurados, já usados, mas prontos para vender a gente certamente muito modesta. Os outros apetrechos eram: Facas bem afiadas, lixas, cola, escovas, bem como uma serie de sevelas que estavam devidamente penduradas. Uma lamparina para derreter as pomadas em barra, tintas e as graxas.

No caixote da graxa lá de casa fui encontrar duas caixas quase vazias, encontrando a solução para as duas rodas que faltavam. Na verdade raras eram as engraxadelas, os meus sapatos eram amarelos, de pele de vaca (?) curtida, os da minha mãe eram alpercatas, só o meu pai usava botas e era eu que as engraxava de quando em quando, mas com sebo, portanto era pouco provável, aos meus pais, darem pela falta das ditas cujas.

As latas de atum foram fáceis de encontrar nas estrumeiras, problemático era desengordurá-las. Era com areia e sabão com o devido cuidado, senão os cortes nos dedos eram certos. Quanto ao arame, foi encontrado nas cercas dos quintais, nas ocasiões em que os vizinhos estavam “distraídos”, caso contrário os estalos eram a dobrar, do vizinho e lá em casa.



Digam lá se não têm inveja dos saberes e do tempo!

Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.




Quadras do poema - Os Putos de Ary dos Santos
O carro é construção do autor em 2009. Em miúdo fazia melhor

sábado, 7 de novembro de 2009

O MEU BAIRRO DAS FURNAS - V - QUEM BATE ASSIM LEVEMENTE, COM TÃO ESTRANHA LEVEZA








O Zé Koi, era à data, um rapazola de 16, 17 anos e, já alguns trabalhava.
De um pedaço de neve fez um boneco.

Sabemos que nos invernos em Portugal é natural cair neve lá bem no norte do país e, quando mais agreste, o centro, também é animado por este fenómeno. Só em condições muito particulares é que os naturais das outras regiões têm a possibilidade de contemplar tal fascinio como exemplo, os da região do sul.

Também nas ilhas dos Açores (Ilha do Pico) e na Madeira (Picos: Ruivo, Torres e Areeiro),com regularidade, cai neve nas partes mais elevadas. Mas em Lisboa são necessárias condições atmosféricas de frio muito adversas para que os lisboetas tenham a oportunidade de apreciarem tal encanto.




A história que vou contar decorreu à 55 anos, no ano de 1954, foi tal forma marcante a surpresa que ainda hoje recordo em pormenor. Foi na manhã do dia primeiro de Fevereiro, quando o meu bairro das Furnas em Lisboa e o país acordou coberto por um manto de neve.




Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
. Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!




De um punhado dela, o meu amigo Zé Koi, fez um boneco. Colocou tal feito no parapeito da janela do meu quarto. De seguida bateu nos vidros e escondeu-se no quintal, para que eu, miúdo, levasse a crer que a escultura era a causadora do feliz despertar. Eu nunca tinha visto cair neve, nem sequer na televisão, pois ainda não existia.




O Zé Koi era, à data, um rapazola de 16, 17 anos, e já a alguns trabalhava. Pelos seus afazeres profissionais saía muito cedo e chegava já com as ruas iluminadas pela luz dos poucos candeeiros existentes. Morava na mesma rua onde eu morava, na Rua dos Plátanos, lá pró princípio, no nº 4.






Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…







O Zé Koi, era divertido mas algo reservado, foi educado pela sua mãe, junto com uma irmã, (creio que o seu pai morreu novo). Não dispensava grande atenção aos miúdos das outras ruas, ao contrário para comigo e para com os outros putos seus vizinhos. Concedia-nos grande empatia, talvez por sermos algo espevitado, reguilas, enfim miúdos de bairro, iguais a tantos outros que ali foram criados e cresceram, que logo a seguir à instrução primária, os seus pais os fizeram “saltar do ninho por prontos para voar”.







Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…







O Zé Koi, tinha umas mãos de artista, de “escultor”. A sua profissão era a de carpinteiro/marceneiro e gostava de construir barcos em madeira, e quanto aos “clássicos baptismos” não havia discursos, musicas ou garrafas quebradas nos cascos. Mas não pensem que não faltaram acontecimentos nas aguas das picotas das hortas, plantadas junto das linhas dos comboios. São outras histórias que um dia contarei. Até lá esperemos que este inverno a neve volte a cair em Lisboa. E quem se lembrar do Zé Koi, que complete mais a história deste furniano




Quadras do poema Balada de Neve/Gil Vicente
vídeo da C.M.L.

sábado, 10 de outubro de 2009

sexta-feira, 10 de julho de 2009

OS IDOSOS E OS OUTROS "VELHOS"

...Ao vento semeamos o que os homens não querem...

Impressionado com as reportagens, artigos e, outros textos, sobre os idosos e as vicissitudes da vida que, o dia-a-dia lhes tem vindo a reservar, surgiu-me a ideia de publicar no blog, um texto, necessariamente modesto, com o objectivo e no propósito – através dele - de desenvolver uma “conversa” com os meus antigos camaradas d’armas e amigos, ao estilo e a exemplo das muitas “conversas” desenvolvidas no tempo, onde não nos passava pela cabeça, a vida, 40 anos passados.

Acreditem que não foi difícil encontrar o “suporte” necessário para relatar, e, opinar, sobre a problemática da chamada 3ª idade neste país, chegando à conclusão, que são muito poucos os Idosos, com razões para darem Graças, por verem respeitados, honrados, na sociedade e na família, os direitos que lhes são justamente devidos no Outono da vida.

Os outros, os “Velhos”, a esmagadora maioria, sem “voz” para reclamarem, juntam velas, que acendem, ou não, rezando e implorando p’los direitos que lhes são legítimos; na segurança económica, nas condições de habitação, na saúde, no convívio familiar e comunitário. Rezam, suplicam, protestam para que respeitem a sua autonomia pessoal, que lhes acabem com o isolamento e com a marginalização de que são vítimas. Direitos que lhes são constitucionalmente devidos e que tardam a encontrarem.

No Largo do Martim Moniz, em Lisboa, encontro o Fernando (nome fictício), um sem abrigo que se estendia e, se aconchegava no “seu” cartão, para uma noite que ambiciona ser calma. Na improvisada cabeceira da sua “cama”, tem uma vela apagada. Murmurava quando lhe pergunto se esteve na guerra colonial. Não me respondeu, a sua meditação ia noutra direcção. Não sei se rezava, ou se reclamava por não ter acesso uma refeição, mesmo que fosse de qualidade deficiente? Uma fatia de pão? Umas sopas ou “algo” misericordioso que não conseguiu encontrar?

Insisto por uma resposta e, entre dentes, de olhar incisivo, diz algo que me pareceu ser “Guileje” ou “Guidaje”. Foi claro a pedir-me cigarros, ao que anui. Virou-me as costas e tapou-se de farrapos, não me pareceu digno continuar a insistir, ficando, eu, sem saber as causas que motivaram ou motivam tão miserável forma de estar. Pareceu-me revoltado, mas ao mesmo tempo (talvez) resignado, mas não acredito que o Fernando, (ou qualquer outro sem-abrigo), rejeite uma sociedade que tem a obrigação de proteger aqueles que são seus filhos, que rejeite o direito a uma vida digna (e merecida), enquanto “percorrem a estrada” até ao dia da verdade.

Senhores, basta de olhar para o lado, fingindo que não vêem.

Estigma

Filhos dum deus selvagem e secreto
e cobertos de lama, caminhamos
por cidades, por nuvens e desertos.
Ao vento semeamos o que os homens não querem.
Ao vento arremessamos as verdades que doem
e as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
só os astros trazemos.
A treva ficou onde todos guardamos a certeza oculta
do que nós não dizemos, mas que somos.

Foto de Renato Fogal

Poema Ary dos Santos

quinta-feira, 25 de junho de 2009

SEIXAL É ÚNICO NAS FESTAS DO S.PEDRO


NAS FESTAS POPULARES

Deste velho de barbas brancas, como identifica o poeta Fernando Pessoa, lembro-me, em miúdo, quando o tempo era propício a trovoadas, de tapar a cabeça com os lençóis por medo dos trovões, dizendo a minha mãe para não ter, porque o santo, lá no céu, estava numa de arrumar a “casa”. Aliás creio que muita da sua popularidade advém do “regozijo” ou da “culpa” que lhe é conferido pela ocasião das chuvas, na abundância ou por falta dela.

Tu que diabo? És velho
És o único dos três que traz velhice
Às festas. Tuas Barbas brancas
Têm tudo contudo um ar terno
A que o teu duro olhar não dá razão.
Parece que com essas barbas brancas
Por fenómeno de imitação
Pretendes ter um ar de Padre Eterno.

Recordo também, na adolescência, nas festas populares da cidade da minha terra natal, o “queimar os últimos cartuchos”; quer nos bailaricos, quer no “saltar às fogueiras”. Eram as festividades que encerravam, o campismo selvagem lá para os lados da Trafaria, nos fins-de-semana, era a meta a seguir.

Se há quem diga (bairristamente falando) que o Santo António está para Lisboa, e o São João está para o Porto, cabe-me dizer (morador no concelho à 38 anos) no São Pedro, Seixal é único. E quem com dúvidas houver, venham ver de como o Povo ribeirinho se esmera nas comemorações deste seu santo padroeiro, que também foi pescador.


Cá está a Timbre
A espalhar a sua alegria
Traz o Manel e a Maria
Vem com cana e balões
Com a sua gente
Vem dar volta ao arraial
E a cantar dizer bem alto
Viva o Seixal

As festividades, promovidas pela Câmara Municipal do Seixal, em honra do São Pedro, iniciaram-se, este ano, 10 dias antes do feriado municipal, para que os naturais, munícipes e visitantes, tenham a oportunidade de participarem nos diversos arrais, nos “comes e bebes” e assistir a eventos como: animação de rua, teatro ao ar livre, na actuação das bandas filarmónicas, na mostra, todos os dias, do artesanato, ranchos folclóricos e ainda a animação dos músicos itinerantes.

Encontro de estátuas vivas, actuação de conjuntos musicais, a exemplo; UHF, Anjos, Banza. Outros artistas de nomeada tais como: Marco Paulo, Rui Bandeira, Susana Félix e o Mário Barradas a cantar Ary dos Santos. Fados e guitarradas no Largo da Igreja e o desfile da Orquestra de percussão – Toca a Rufar, espera-se que sejam momentos de grande regozijo.

Igualmente a serem pontos altos, na véspera do dia de São Pedro, é os desfiles das marchas populares dos diversos bairros e freguesias, incluído neles as marchas, dos Reformados e a das Canas.

Mas em que consiste a Marcha das Canas de que tanto gosta o povo do Seixal e, que parte dos músicos das centenárias Sociedades Filarmónicas; Democrática Timbre Seixalense e União Seixalense, entre outros, com muito bairrismo, primam, todos os anos, por abrilhantar tal evento?

Dizem os mais velhos que era tradição, no dia que antecede o dia de São Pedro, após o baile popular, os resistentes, deslocavam-se com uma toalha branca ao ombro, na direcção da Quinta Grande, onde havia um chafariz e caniçais. Lavavam e limpavam a cara para depois atar as toalhas às canas, previamente cortadas, que erguiam, voltando pelo nascer do Sol, em marcha ao som da charangada, com o intuito de manterem bem vivas as festividades em honra do Santo.

Dizer, para concluir, que hoje, o espaço dessa Quinta, só dá lugar ao nome e a empreendimentos habitacionais, contudo para que a tradição não morra, com o apoio da C.M.S., foi construído, creio que uma réplica do chafariz, na área da nova sede da Soc. Portugal Cultural e Desporto, na Arrentela, difícil é, por perto, encontrar um caniçal.

Nota:
Bibliografia
Quadra do Fernando Pessoa
C: M.Seixal,
Soc. Filarm. D.Timbre Seixalense
Quadra do Emílio Oliveira Rebelo

quinta-feira, 11 de junho de 2009

As Festas populares da Cidade de Lisboa


Amália Rodrigues

Não poderia deixar de assinalar o dia 13 de Junho, Dia de Santo António, Feriado Municipal em Lisboa, onde em honra do santo se desenvolvem festas com tradição que de entre diversos eventos destacam-se as festas dos Bairros e as Marchas populares.

Antes, na noite do dia 12, os bairros populares da cidade, montam arraiais que são decorados, engalanados, enfeitados com balões e arcos decorativos, onde a sardinha assada, o caldo verde, o pão com chouriço e o vinho procuram dar “cor” às comemorações com o bailarico a entrar pela noite dentro. Também ainda não se perdeu a tradição, dos rapazes oferecerem há raparigas, um vazo de manjericos ostentando quadras brejeiras e amorosas.

Oh meu rico Stº António
Tu que foste milagreiro
Vê lá se arranjas uma namorada
Que tenha muito dinheiro

Tenho pena que o Bairro onde nasci, Benfica, este ano não desfile na Av. da Liberdade, como o vem fazendo desde 1932, onde em variados anos foi sua Madrinha a saudosa Beatriz Costa. Não questiono as razões, mas creio que se prendem com a inclusão de novos “bairros”, sem raízes históricas, visando responder a aspectos de carácter económico sem sustentação popular.

Olha a marcha de Benfica
Qual saloia cantadeira
Que entra na festa contente
Ai, ninguém fica sem cantar a vida inteira
Ouvindo a marcha da nossa gente.


domingo, 3 de maio de 2009

O Dia das Mães

SÃO BEIJINHOS MINHA MÃE SÃO BEIJINHOS

Naquele dia a aldeia estava diferente por mais bonita. A contrastar com as rotinas diárias do sossego e, com as cores azul e branca do caiado das casas. As folhas e flores que agora cobriam o chão, as colchas bordadas colocadas nas janelas, davam-lhe um colorido e uma beleza sumptuosa.


Era o 1º domingo de Maio, os sinos da igreja repenicavam freneticamente, não só pela ocasião da sua missa dominical, mas sobretudo pela festa que se verificava neste dia no povoado. Eram assim que a aldeia, todos os anos, celebrava o Dia da Mãe.


Na escola, a professora primária, uma ou duas semanas antes, não deixou de ensinar as crianças nos trabalhos manuais que normalmente desenvolviam, desenhos, pinturas e arranjos florais mas agora com motivos para celebração do Dia, que depois de prontos seriam religiosamente guardados até ao dia, então oferecidos, como prova do seu amor, às suas mães.

Antes também, sobretudo as mulheres e as raparigas, durante semanas, pelo serão, não se cansaram na construção dos arranjos florais, que não só iriam cobrir o chão das ruas da aldeia, mas também as bandeiritas que seriam colocados, tudo, na noite anterior.


A toda esta azafama, transportando no bolso uma caixinha que outrora fora de fósforos, agora com uma lagartixa dentro, assistia melancólico, o Pedro, com 4 anos, o irmão mais novo de 5. Ele sabia que os seus irmãos mais velhos tinham feito na escola desenhos para darem à mãe.

O Pedro não se lembrava de ver a aldeia tão bonita, por tudo isto já passara mas só agora compreendia e dava valor. Ficou deslumbrado com os desenhos que os seus irmãos lhes mostraram. Ele nada tinha para oferecer. Isso entristecia-o mas… uma ideia lhe sucedeu.


No dia, libertou o seu amigo de estimação, limpou muito bem a caixinha que outrora fora de fósforos e que durante semanas serviu de abrigo ao seu amigo lagartixa, “pintou” a imagem do girassol com as cores dos lápis dos irmãos e, no Dia, disse à mãe quando esta ficou na expectativa ao verificar que dentro da caixa “nada” havia.


Abre com cuidado mãezinha….não os deixes fugir….são beijinhos mãezinha, são muitos beijinhos para ti que dentro da caixinha carreguei.