domingo, 29 de agosto de 2010

BAIRRO DAS FURNAS VII

… PARTIR O RIPADO Á AMÉLIA… NÃO SE FAZ

Sorte a minha de não partir no canastro o que quer que fosse. Já assim não aconteceu com (o ripado) a Amélia. Que em monumental “chavascal”, fez do acontecimento noticia de “1ª página” no meu Bairro das Furnas.

O triciclo era de modelo inglês, encontrado no lixo pelo meu pai. Com a intenção de o restaurar responsabilizou um homem dado à bricolage. Pai da minha sobrinha Madalena e meu cunhado. Deu-o como presente, já quando pronto, a esta sua 1ª neta, tinha ela 3 anos de idade.

O triciclo, aos meus olhos e a muitos outros olhos dos rapazes do meu Bairro das Furnas, sobretudo aos da minha rua, era lindo. Era estonteante a vontade de o conduzir, em possui-lo. Não havia muitas crianças no Bairro que tivessem o privilégio de terem triciclos e, como aquele muito menos. Era o único modelo existente. Tinha o assento comprido pintado de vermelho, as rodas eram grandes e estavam pintadas de preto. A roda da frente era mais alta que as detrás e, entre estas, sobre o eixo que as seguravam, também pintada de vermelho, estava fixada uma tábua com sítio próprio para a colocação dos pés, permitindo aos miúdos mais crescidos a opção de utilizarem tal “velocípede” com uma maior velocidade, comparativamente aquela que tinham a pedalar na posição de sentados.

Rapazola, já na escola, 3 ou 4 anos mais velho da idade da minha sobrinha, o período da tarde era dado a brincadeiras. Aproveitando, sempre que possível, pela hora da sesta da menina, furtar despercebidamente tal “velocípede”, no intuito, com a malta mais chegada, desenvolver acções de destreza e de mestria, em velocidade, nas ruas do bairro.

De todo o modo, é sabido que os triciclos, mesmo grandes que fossem, não tinham travões. Os “espigadotes” quando os utilizavam e necessitavam de parar deixavam de pedalar ou em alternativa, se a velocidade fosse maior, a solução era forçar os pés à “roçadura” pelo asfalto, ou mesmo forçar o seu estatelamento na “pista” quando os pés estavam descalços.

O habitual “velódromo” era na rua que começava junto ao Centro Social e terminava, uns metros antes do ripado do quintal da Amélia, no início da rua dos Choupos, no lado Este do bairro. Rua com uma inclinação considerável, sobretudo até meio. Do lado direito da via existia uma pequena faixa de terra com chorões plantados. A cor destas plantas era amarela ou rosa. A seguir, em paralelo com a plantação dos chorões, existia uma sebe cuja altura variava entre 3 a 4 metros, com ramos erectos, pendentes e cobertos por espinhos que davam como “fruto” uns grãos de vermelho vivo (Pyracanta) que ao mastigá-los depressa eram cuspidos pelo amargo de boca que faziam, mas indispensáveis para as “batalhas” de arremesso através dos pequenos tubos de ferro. Esta sebe servia de vedação às hortas e aos viveiros de jardim que, o Sr. Zé, sob orientação do Fiscal Costa, cuidava primorosamente, sendo que os chorões, serviam de escape para travagens do “velocípede”, sobretudo, na hora das provas, quando a “pista era invadida” por alguns passantes.

.Mesmo assim, para que a velocidade não fosse tão vertiginosa, o local das partidas começavam a meio dessa rua, no espaço que dava acesso à rua dos “Lés-Lés” e onde morava também o Sr. Caixinha que era revisor da CP. Ficando situada a meta no final dessa rua, mais propriamente no cotovelo que dava acesso à Rua dos Choupos. Hoje essa rua dá pelo nome de Costa Mota e a Rua dos Choupos, passou a ser o Largo Calouste Gulbenkian.

Acontece que uma das vezes a adrenalina estava no auge. Este rapaz vaidoso e seguro da sua mestria e destreza na condução de tal veículo, entendeu colocar a partida no ponto mais alto da descida. E não contente pediu, aos demais que o assistiam, que o empurrassem até se perderem na corrida do acompanhamento. E mais não digo, a não ser que não consegui fazer a curva em cotovelo para a Rua dos Choupos, estatelando-me, claro está, no ripado da Amélia. E não queiram saber o sururu que foi na minha casa.

O desenho do triciclo é da autoria
Do autor. As fotos das planas são
Retiradas do Google