segunda-feira, 20 de agosto de 2012

VAMOS AOS BANHOS…NAS FURNAS XXV

… Nunca os habitantes, do meu velho bairro, desprezaram a sua higiene e a higiene dos seus filhos…
…Quem precisava de lavar, sobretudo a cabeça, por dentro, eram os membros da Comissão de Acão Social e Administrativa dos Bairros Sociais…
...Tínhamos de primeiro tirar uma a senha que, variava no preço...
…Encavalitados ou suportados pelo encaixe das mãos de outros, espreitávamos as raparigas…
…Tudo isto tendo em conta a “falha da construção” da canalização para o duche de água quente...



Muitos furnianos têm vindo a escrever ou a comentar, com saudade, sobre as iniciativas produzidas, no antigo Salão de Festas. Teatro, dança, cinema, festins, bailaricos, etc., têm sido as actividades mais lembradas. Contudo, poucos, muito poucos, têm vindo a comentar, uma outra, não menos importante. Refiro-me às brincadeiras dos rapazes, no “espreita” às raparigas e, as broncas destas cenas, nos balneários e fora deles.



Segundo informações recolhidas, 6 anos depois da inauguração do Bairro (1946), o chamado balneário público das Furnas, foi construído, no ano de 1950. Esta “falha” na construção, veio a ser reparada pelo aproveitamento da arrecadação que, ocupava as traseiras do salão, “justificando” a Comissão de Acão Social e Administrativa dos Bairros Sociais:



…Os habitantes não se serviam dos chuveiros existentes, nas casas de banho, nas suas habitações, porque as mesmas, não tinham canalização para a água quente…
…E, a limpeza, a higiene, (do corpo) não podia ser desprezada, esquecida pelos moradores…



Direi: Como se isto fosse verdade!
No tempo, o regime considerava os habitantes das “casas desmontáveis” como “famílias de baixa condição social”. Logo, comparativamente com os habitantes de outros bairros sociais, impunha-lhes diferentes situações, para pior. O exemplo; os bairros do Alvito, Ajuda, Alvalade e do Caramão da Ajuda, etc., construídos pela mesma edilidade (C.M.L.). Afirmar que os habitantes não usavam os chuveiros para se lavarem, no mínimo foi “parvoíce”.



As casas de banho do velho bairro, num espaço estimado, por 3m de comprimento, por 1,50m de largo, comportavam um pequeno lavatório, com uma torneira amarela, uma sanita, sem sifão e, um chuveiro.



É certo historiar, narrando a falta da canalização, para o duche de água quente. Mas essa propositada insuficiência da implantação da tubagem, nunca impediu os homens e as mulheres do bairro, de tomarem banho. E mais… com água quente. Nunca os habitantes, do meu velho bairro, desprezaram a sua higiene e a higiene dos seus filhos.



No inverno, nos dias mais pequenos, os moradores com as profissões operárias e, não só, saiam muito cedo. Para se lavarem, aqueciam a água, numa panela, na máquina a petróleo. Vazavam a água ainda a ferver num alguidar de zinco, com o fundo em madeira, ou mesmo em pequenas banheiras, também de zinco, temperando a água q.b.



Por vezes, dada a exiguidade do espaço das casas de banho, os salpicos de água, iam “bater” no vidro do candeeiro a petróleo que, não raras as vezes estalavam. Convém referir que, as velhas casas só tinham luz eléctrica, no horário da iluminação pública. O candeeiro, no meio da sala de entrada, com o seu “faustoso” abajur branco, comportava uma lâmpada até 40W (?). Era proibidíssimo fazer puxadas da luz eléctrica para qualquer outra divisão.



Era hábito dos trabalhadores, num compartimento da sua lancheira, ou embrulhada num pano, debaixo de um dos braços, levarem roupa lavada, para a vestirem depois do banho, nas fábricas ou nas oficinas onde trabalhavam.



Lavrar em acta, dando a entender que, a falta da canalização para a água quente, era motivo para a falta da higiene das pessoas, eu direi que, quem precisava de lavar, a cabeça, por dentro, foi quem teve a ousadia de subescrever tal alegação.



Mas continuando:
Já foi referido que, o balneário do velho Bairro das Furnas ficava situado, nas traseiras do Salão de Festas. Funcionava aos sábados, entre as 8,30 horas e as 12,30 horas. Tínhamos de primeiro tirar uma a senha que, variava no preço. Miúdos/as, um escudo, adolescentes/adultos era, creio, mais caro.



No departamento, chamado de secretaria, também situado nas traseiras, com o livro de senhas na mão, de semblante sério, um homem que dava pelo nome de Garcia. Era o fiscal do bairro. Não se esquecia de avisar, sobretudo os miúdos/as, de que, não havia lugar a brincadeiras e, terem em conta o tempo no “molho” debaixo da água quente.



O balneário, comportava quatro divisórias para banho de duche, 4 esquentadores, colocados na parede entre elas e, 2 casas de banho. Todas as divisórias eram equipadas com portas. Tinha lavatório, acima um pequeno espelho. O equipamento e, o espaço, foi divido ao meio, por uma parede com abertura no cimo. Mais tarde, foi colocada, necessariamente, uma janela de bandeira. As portas das entradas para os balneários (homens/mulheres) ficavam nos laterais do palco.



Íamos, geralmente sozinhos ao “duche”, mas quando havia muitos frequentadores, a cabine podia ser utilizada por mais um utente, possibilitando menos demorada a espera. Mas, outros, mais malandrotes, enquanto esperavam pela sua vez para tomarem o banho, não perdiam a oportunidade, encavalitados ou suportados pelo encaixe das mãos de outros, à altura dos joelhos e, à vez, apoiados na parede, sorrateiramente lá espreitavam, pela abertura, as raparigas algo “descobertas”. Logo prontamente denunciados pela contínua, resultante da gritaria e, do corrupio das meninas, para os chuveiros, com vistas a taparem os seios e as “vergonhas”. Aqui, quando identificado/s, o fiscal Garcia tomava necessariamente notas. Seguia-se a chamada da família do/s “abusador/s”. Reclamava maior disciplina e respeito, e, de seguida, passava uma multa e, anunciava o período da inibição da utilização do balneário ao prevaricador.



Por fim e, em jeito de conclusão direi que, a culpa disto tudo, foi originada pela “falha da construção” da canalização, para o duche de água quente, nas habitações do velho Bairro das Furnas.
E mais a sério, afirmar que, naquele tempo, aos senhores do regime, tudo servia para humilhar quem era pobre.



Bibliografia:
Página 74, do Livro “O Nosso Bairro”, monografia de Mª Lurdes Pais Gomes.
Fotos:
Perdidas pelo Google sem autores
Agosto de 2012

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

NA VELHA PRAÇA DO BAIRRO DAS FURNAS SÓ NÃO HAVIAM OS PREGÕES XXIV




… Os rapazes e, as raparigas no final do dia, vinham para o pequeno largo brincar …
…, Fui à mercearia comprar rebuçados dos bonecos da “bola”, na esperança que, a dita cuja, de catechu, saísse. Obviamente também me saiu na “rifa”…
… O chão apresentava-se sempre limpo, polvilhado de serradura, certamente para enxugar os pingos do “briol” que se perdiam…
…O açúcar, a farinha e o café, vendia-se aos gramas, embrulhados em cartuxos de papel grosso…
… Não fora ele a saltar e, a desactivar a marcha do cilindro, não sei se o pavilhão que sustentava a praça, “já era”…

A Praça, do velho Bairro das Furnas, tal como a recordo, ficava situada num pequeno largo a começar na enfiada do lote 19, da rua Raul Carapinha (Foto de topo). Melhor identificando, direi que, o prédio em referência foi construído na entrada do bairro. Edifício que veio a destruir o portão da quinta, parte do largo e, uma boa fracção do ajardinado. (ver fotos nºs 1 e 3)

Hoje, na empena desse edifício, está situado um pequeno parque do estacionamento de automóveis, sendo que, o edifício da praça começava a meio do início da rua, hoje, Costa Mota.

A “matriz” das praças, (em redor do velho bairro), ostentava, na sua frente, 2 lanços de canteiros com flores rasteiras, ladeados por sebes, quando cortadas ficavam à altura dos joelhos de um adulto.

Era proibido transpor as sebes. Pior ainda, pisar o que elas resguardavam!

Qual quê? Os rapazes e, as raparigas no final do dia, vinham para o pequeno largo brincar. Desafiavam tudo e todos. Não se achavam cansados/as, por vezes até ao raiar da noite, pela pratica do atletismo na modalidade dos “saltos” “altura”. Quem não ficava muito “animadas/os”, eras as flores dos canteiros e, os jardineiros que delas primorosamente cuidavam. (ver foto nº 4)

Relembro que, na frontaria do mercado, entre os já citados canteiros, existia uma ligeira rampa. Na frente, um outro edifício, comportando a Sala de Estudo, arrecadação dos materiais para suporte da jardinagem, uma casa de banho e ainda a sala da Mocidade.

As portas da praça escancaravam-se pela manhã cedo e, por detrás das grandes grades de correr, em ferro, existiam diversas bancas e secções a saber:

Na entrada as bancas com as frutas, hortaliças, nabiças, salsa, coentros, cabeças de nabo, cenouras, alfaces, tomates e muitos outros produtos hortícolas. Os caixotes, forrados a papel pardo, apresentavam-se expostos em “escada”. Eram as bancadas da Dª. Carmem e da Dª. Maria. (ver foto nº 2)

Percorrendo-a pelo lado direito, situava-se um canto de pequeno espaço. Aqui era o zona onde, a D.ª Fernanda, vendia uns coelhitos, umas galinhas, um ou outro galo e, ovos do dia.

Mais à frente, com a balança e, respectivos pesos em redor, existia um dos balcões, pertencendo ao do layout da mercearia do Ti Manel e do Ti Luís. Nesta secção da praça, também se podia entrar pelas portas existentes, no lado da empena do edifício, a sul. Direi mesmo, ser uma das portas, (ver foto nº 4) a entrada principal da mercearia, onde tinha confinante a taberna, com uma outra entrada.

Já que se refere a taberna, os homens que a frequentavam, emparceiravam-se ao balcão, para beber o “briol” dos pipos acostados em redor das paredes. Eram quase sempre aviados pelo empregado o Sr. António, homem alto e bem-parecido.

O chão apresentava-se sempre limpo, polvilhado de serradura, certamente para enxugar os pingos do “briol” que se perdiam, quer no aviar, quer no deglutir.

Ainda, na mercearia, os produtos estavam dispostos em sacas, tulhas e outros recipientes para sólidos, com vistas a serem vendidos a avulso (retalho), em pequenas quantidades. O dinheiro dos fregueses era muito pouco. O bacalhau era vendido à posta, já demolhado. O azeite aos decilitros. O açúcar, farinha e o café, eram vendidos aos gramas, embrulhados em papel grosso ou em cartuxos. Alguns produtos gordurosos, a exemplo; a manteiga e a banha, em exposição nas largas terrinas sobre o balcão, eram pesados e, entregues aos clientes embrulhados em papel vestal.

Uma vez consegui “rapinar” 5 escudos, do porta-moedas da minha mãe. Fui à mercearia comprar rebuçados dos bonecos da “bola”. A lata meio cheia, praticamente se esgotou. Tinha esperança que a dita cuja, de catechu, me saísse. Não conto, para além da bola, o que me saiu na “rifa”, mas é óbvia a adivinhação.

Continuando:
A seguir ao balcão da mercearia, estava situada a padaria. Sendo caixeira uma outra Dª. Fernanda. Esta senhora era a mulher do Sr. Alberto, chefe da polícia municipal.

Aqui o pão, não estava, como hoje está, sujeito ao trigo de baixa qualidade. O seu fabrico era de modo tradicional, não industrializado. Era cozido no forno a lenha. Dificilmente, nos dias de hoje, se encontra pão com a qualidade que, a D.ª Fernanda vendia.

Ao lado da padaria, ficava a bancada do peixe, onde sobressaía, por serem sempre frescas e mais económicas, espécimes que, davam pelo nome de “chicharros” (carapau grande), “joaquinzinhos” (carapau muito pequeno), “petingas” (sardinha pequena) e os cachuchos de porte médio. Elvira era o nome da senhora peixeira.

Também havia um talho. Comercializava “miudezas”. Tinha paredes meias com a secção da D.ª Elvira. O cortador, foi de primeiro, o Sr. António, depois, o Sr. Mário. Creio saber, por via do que se passava em minha casa, serem as carnes mais vendidas, aquelas que se podiam cozinhar guisadas. Ora com batatas, ora com massa ou ainda com feijão branco ou encarnado: Como exemplo; refiro a “dobrada”, a “fressura” e os “pés de carneiro”. Também vendia iscas, corações e mioleiras, produtos bem mais acessíveis à bolsa dos pobres.

Dada a volta completa ao interior da praça dizer que, no seguimento das secções referidas, havia uma arrecadação onde os pracistas guardavam alguns artigos, sobretudo aqueles que vendiam os produtos hortícolas.

Mas…o que a maioria não sabe; é que um dia, por ocasião do alcatroamento do arruamento por detrás deste grande edifício, diante o deslumbramento dos miúdos quererem ver a funcionar o cilindro que esmagava o alcatrão (qual monstro de máquina), pularam para dentro da “locomotiva” e, puseram-na em marcha. Seguindo-se, metros à frente, várias tentativas para o fazer parar, mas sem êxito.

Atento à brincadeira, à sombra das existentes oliveiras e, a almoçar, estava o operário condutor. Não fora ele a saltar e, a desactivar a marcha do cilindro, não sei se o pavilhão que sustentava a praça, “já era”, com consequências imprevisíveis.

Rememorações:
Texto:
Identificação de parte das personagens. Clarisse Caetano

Cedência de fotos:
Foto nº 1, Irmã Inês, entrada do Bairro.
Foto nº 2, Ana Cristina Vaz, entrada da Praça.
Foto nº 3. Raul PSinos, Ajardinado da entrada do Bairro.
Foto nº 4. Ana Cristina Vaz, Sebe existente na frente da Praça
Agosto do 2012

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

HISTÓRIAS DO MEU BAIRRO VELHO DAS FURNAS XXIII

OLHA LÁ OH ZÉ. A “BICHA” JÁ ALIVIOU A TRIPA?
FAZIA-ME JEITO UM POUCO DE ESTRUME PARA ESPALHAR
NA TERRA ONDE TENHO AS FLORES!



…A carroça do “pitrolino” que percorria o velho bairro, nas quintas-feiras passava à minha porta. Este era o dia da semana que, permitia à D. Georgina, minha mãe, e não só, adquirir um ou mais dos artigos que vendia…
…Gostava de ver aquela bonita égua, com a cor do pelo em tons cinzentos e brancos…
…Na memória ainda relembro a “Maria Alice”, já cansada, a subir a pequena ladeira da Rua das Tílias, ao encontro da cocheira…



Esta linda égua, quando pelas pessoas passava, levantava ligeiramente o focinho parecendo procurar uma mão caridosa que lhe fizesse um afago.
Anda “Mª Alice”! Dizia, um dos irmãos “pitrolinos”, depois de aviar a freguesia que, se abeirava à carroça.
De seguida, em nova partida, com um sopro, um deles tocava a pequena corneta de cor amarela, dependurada no pescoço por uma corrente.



“Maria Alice” era o nome da égua do “pitrolino”!
Passava pelas tardes, sempre, na minha rua a puxar a carroça cheia de infusas, caixas e garrafões, contendo diversos artigos líquidos e sólidos que, os seus donos comercializavam pelas ruas da zona de Palma e, pelos bairros circundantes.
O armazém destes vendedores de porta a porta, estava situado no Largo, onde também estava (está) a sede do Sport Futebol Palmense.



Para os habituais circuitos diários, a “Maria Alice”, saía cedo. Obediente, lá andava, vaidosa, ostentando os seus fortes membros e, a crina comprida e bem penteada. A enfeitar o pescoço a guizeira. A amiúde a sacudia, fazendo tilintar, não só os guizos, como também e um pequeno sino de bronze, já negro pelo tempo.
Se a memória não me falha, eram 2 as vezes que a carroça do “pitrolino” visitava o meu velho bairro. Nas quintas-feiras, pelas tardes, passava na frente da minha casa. Era o dia da semana que, permitia à D. Georgina, minha mãe e, não só, adquirir um ou mais artigos - petróleo, álcool (azul), azeite, vinagre, aguardente, barras de sabão azul e branco e o amarelo, etc., - que então vendiam por porta a porta.



Como eu gostava de ver aquela bonita égua, com a cor do pelo em tons cinzentos e brancos. Logo que ouvia o soar da corneta no princípio da rua, deixava o que porventura estava a fazer, e esperava-a junto à cancela do meu quintal.
Sabia que a minha mãe iria, seguramente, fazer parar a carroça, para comprar um ou outro artigo, ou pagar algo ao “rol”. Era a oportunidade que tinha de lhe fazer festas e, pelas escondidas dar-lhe a comer uma folha das couves-galegas existentes no meu pequeno quintal.
Prendia-me nos olhares das mulheres, a verem medir, uma, o pedido do petróleo para o candeeiro ou para o fogão. Uma outra, segurando o funil e a garrafa do azeite, aguardando pela sua vez. Arrepiava-me quando via cortar, as barras de sabão (azul e amarelo) com um “facalhão” de meter medo.



Uma vez ouvi alguém dizer:
…Olha lá oh Zé. A “bicha” já aliviou a tripa? Fazia-me jeito um pouco de estrume para espalhar na terra onde tenho as flores…
De facto não havia reclamações quando a “Maria Alice” aliviava “as tripas” pelo chão. Depressa os excrementos eram apanhados, ainda quentes, por alguém e, aproveitados para estrumar as pequenas poções de terra dos quintais.
Ao contrário, acontecia com as “mijadelas” que, 2 baldes de água não chegavam para as lavar.
Que o diga a Fernanda Arsénio, pois rezava a todos os santinhos para que, a “Maria Alice”, não o fizesse à sua porta na Rua dos Choupos.



Os tempos são outros. Já não temos o “pitrolino” à porta. Pelo telefone ou pela NET, é possível encomendar o rol das necessidades de qualquer casa e, ser entregue por um qualquer carro da distribuição, de uma grande superfície comercial.
Mas na minha memória relembro, no fim das tardes, já por vezes no raiar das noites, a “Maria Alice” já cansada, puxada pelas rédeas em jeito de ajuda, a subir a pequena ladeira da Rua das Tílias, (hoje Rua Padre Carlos dos Santos).
Por fim, com a carga aliviada, lá ia com os seus donos, ao encontro da cocheira.

Foto Google