… Os rapazes e, as raparigas no final do dia, vinham para o pequeno largo brincar …
…, Fui à mercearia comprar rebuçados dos bonecos da “bola”, na esperança que, a dita cuja, de catechu, saísse. Obviamente também me saiu na “rifa”…
… O chão apresentava-se sempre limpo, polvilhado de serradura, certamente para enxugar os pingos do “briol” que se perdiam…
…O açúcar, a farinha e o café, vendia-se aos gramas, embrulhados em cartuxos de papel grosso…
… Não fora ele a saltar e, a desactivar a marcha do cilindro, não sei se o pavilhão que sustentava a praça, “já era”…
A Praça, do velho Bairro das Furnas, tal como a recordo, ficava situada num pequeno largo a começar na enfiada do lote 19, da rua Raul Carapinha (Foto de topo). Melhor identificando, direi que, o prédio em referência foi construído na entrada do bairro. Edifício que veio a destruir o portão da quinta, parte do largo e, uma boa fracção do ajardinado. (ver fotos nºs 1 e 3)
Hoje, na empena desse edifício, está situado um pequeno parque do estacionamento de automóveis, sendo que, o edifício da praça começava a meio do início da rua, hoje, Costa Mota.
A “matriz” das praças, (em redor do velho bairro), ostentava, na sua frente, 2 lanços de canteiros com flores rasteiras, ladeados por sebes, quando cortadas ficavam à altura dos joelhos de um adulto.
Era proibido transpor as sebes. Pior ainda, pisar o que elas resguardavam!
Qual quê? Os rapazes e, as raparigas no final do dia, vinham para o pequeno largo brincar. Desafiavam tudo e todos. Não se achavam cansados/as, por vezes até ao raiar da noite, pela pratica do atletismo na modalidade dos “saltos” “altura”. Quem não ficava muito “animadas/os”, eras as flores dos canteiros e, os jardineiros que delas primorosamente cuidavam. (ver foto nº 4)
Relembro que, na frontaria do mercado, entre os já citados canteiros, existia uma ligeira rampa. Na frente, um outro edifício, comportando a Sala de Estudo, arrecadação dos materiais para suporte da jardinagem, uma casa de banho e ainda a sala da Mocidade.
As portas da praça escancaravam-se pela manhã cedo e, por detrás das grandes grades de correr, em ferro, existiam diversas bancas e secções a saber:
Na entrada as bancas com as frutas, hortaliças, nabiças, salsa, coentros, cabeças de nabo, cenouras, alfaces, tomates e muitos outros produtos hortícolas. Os caixotes, forrados a papel pardo, apresentavam-se expostos em “escada”. Eram as bancadas da Dª. Carmem e da Dª. Maria. (ver foto nº 2)
Percorrendo-a pelo lado direito, situava-se um canto de pequeno espaço. Aqui era o zona onde, a D.ª Fernanda, vendia uns coelhitos, umas galinhas, um ou outro galo e, ovos do dia.
Mais à frente, com a balança e, respectivos pesos em redor, existia um dos balcões, pertencendo ao do layout da mercearia do Ti Manel e do Ti Luís. Nesta secção da praça, também se podia entrar pelas portas existentes, no lado da empena do edifício, a sul. Direi mesmo, ser uma das portas, (ver foto nº 4) a entrada principal da mercearia, onde tinha confinante a taberna, com uma outra entrada.
Já que se refere a taberna, os homens que a frequentavam, emparceiravam-se ao balcão, para beber o “briol” dos pipos acostados em redor das paredes. Eram quase sempre aviados pelo empregado o Sr. António, homem alto e bem-parecido.
O chão apresentava-se sempre limpo, polvilhado de serradura, certamente para enxugar os pingos do “briol” que se perdiam, quer no aviar, quer no deglutir.
Ainda, na mercearia, os produtos estavam dispostos em sacas, tulhas e outros recipientes para sólidos, com vistas a serem vendidos a avulso (retalho), em pequenas quantidades. O dinheiro dos fregueses era muito pouco. O bacalhau era vendido à posta, já demolhado. O azeite aos decilitros. O açúcar, farinha e o café, eram vendidos aos gramas, embrulhados em papel grosso ou em cartuxos. Alguns produtos gordurosos, a exemplo; a manteiga e a banha, em exposição nas largas terrinas sobre o balcão, eram pesados e, entregues aos clientes embrulhados em papel vestal.
Uma vez consegui “rapinar” 5 escudos, do porta-moedas da minha mãe. Fui à mercearia comprar rebuçados dos bonecos da “bola”. A lata meio cheia, praticamente se esgotou. Tinha esperança que a dita cuja, de catechu, me saísse. Não conto, para além da bola, o que me saiu na “rifa”, mas é óbvia a adivinhação.
Continuando:
A seguir ao balcão da mercearia, estava situada a padaria. Sendo caixeira uma outra Dª. Fernanda. Esta senhora era a mulher do Sr. Alberto, chefe da polícia municipal.
Aqui o pão, não estava, como hoje está, sujeito ao trigo de baixa qualidade. O seu fabrico era de modo tradicional, não industrializado. Era cozido no forno a lenha. Dificilmente, nos dias de hoje, se encontra pão com a qualidade que, a D.ª Fernanda vendia.
Ao lado da padaria, ficava a bancada do peixe, onde sobressaía, por serem sempre frescas e mais económicas, espécimes que, davam pelo nome de “chicharros” (carapau grande), “joaquinzinhos” (carapau muito pequeno), “petingas” (sardinha pequena) e os cachuchos de porte médio. Elvira era o nome da senhora peixeira.
Também havia um talho. Comercializava “miudezas”. Tinha paredes meias com a secção da D.ª Elvira. O cortador, foi de primeiro, o Sr. António, depois, o Sr. Mário. Creio saber, por via do que se passava em minha casa, serem as carnes mais vendidas, aquelas que se podiam cozinhar guisadas. Ora com batatas, ora com massa ou ainda com feijão branco ou encarnado: Como exemplo; refiro a “dobrada”, a “fressura” e os “pés de carneiro”. Também vendia iscas, corações e mioleiras, produtos bem mais acessíveis à bolsa dos pobres.
Dada a volta completa ao interior da praça dizer que, no seguimento das secções referidas, havia uma arrecadação onde os pracistas guardavam alguns artigos, sobretudo aqueles que vendiam os produtos hortícolas.
Mas…o que a maioria não sabe; é que um dia, por ocasião do alcatroamento do arruamento por detrás deste grande edifício, diante o deslumbramento dos miúdos quererem ver a funcionar o cilindro que esmagava o alcatrão (qual monstro de máquina), pularam para dentro da “locomotiva” e, puseram-na em marcha. Seguindo-se, metros à frente, várias tentativas para o fazer parar, mas sem êxito.
Atento à brincadeira, à sombra das existentes oliveiras e, a almoçar, estava o operário condutor. Não fora ele a saltar e, a desactivar a marcha do cilindro, não sei se o pavilhão que sustentava a praça, “já era”, com consequências imprevisíveis.
Rememorações:
Texto:
Identificação de parte das personagens. Clarisse Caetano
Cedência de fotos:
Foto nº 1, Irmã Inês, entrada do Bairro.
Foto nº 2, Ana Cristina Vaz, entrada da Praça.
Foto nº 3. Raul PSinos, Ajardinado da entrada do Bairro.
Foto nº 4. Ana Cristina Vaz, Sebe existente na frente da Praça
Agosto do 2012
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