O PÊSSEGO REBOLÃO
Muitos dos quintais do meu
velho Bairro das Furnas tinham árvores de frutos cultivadas, não sendo raro haver
pessegueiros! O meu brotava uma qualidade de pêssegos que pela sua cor vermelha
e fina penugem que os cobria, fazia inveja a quem na passagem os admirava. Os
ramos, carregados, dobravam pelo peso de tantos rebentos. Cá o rapaz, não raras
as vezes, era criticado pela D. Georgina, minha mãe, por os apanhar, às
escondidas, ainda pouco maduros.
Ao longo da vida sempre gostei
de pêssegos, direi mesmo que é um dos frutos que mais aprecio. Hoje, quando como
pêssegos, não me parecem tão saborosos como os desta árvore que me viu crescer.
Exactamente por gostar tanto
deste fruto, guardo uma história que me atrevo a contar.
Aos fins-de-semana, era comum
a rapaziada do bairro, ainda imberbe e em grupo, rumarem ao Pavilhão dos
Desportos, em S. Sebastião da Pedreira. A Câmara Municipal de Lisboa, para
gáudio da cachopada, oferecia, na ausência das modalidades desportivas, nos
períodos da manhã ou nas tardes, fitas de desenho animados entre outros filmes.
Também o Jardim Zoológico era
destino a ter em conta.
Com a chegada do verão, era
forte a discussão entre a miudagem na casa da Mocidade existente na entrada do
Bairro. A organização dos acampamentos e dos cursos para graduados da Mocidade
Portuguesa era alegre, divertida e entusiasmante.
Os rapazes acabados de sair
da instrução primária, ainda sem trabalho, ou em período de férias escolares antecedentes
ao ensino secundário, aos fins-de- semana, eram convidados a passar esses dias
fora de casa. Uns com vistas a acampar nos mais variados sítios nos arredores
de Lisboa, outros a obter cursos de “Chefe de Quina” e de “Comandante de
Castelo”, na Quinta da Graça, à Cruz Quebrada.
Passar o fim-de-semana fora
de casa tornava-se uma aventura. Acampar com a “malta” tendo como manta o som
das ondas do mar era o máximo! Como seria passar o fim-de-semana na Quinta da Graça,
na companhia dos rapazes oriundos das mais variadas casas da Mocidade do
distrito de Lisboa? A minha curiosidade era mais que muita. Contudo, aqui, ao
contrário dos acampamentos, não gostei. Só por lá passei um fim-de-semana.
Nesta quinta, as mesas do
refeitório tinham bancos corridos que comportavam cerca de 12 rapazes (6 de
cada lado). Dispostas para acompanhar o comprimento da sala, divididas por um corredor.
No final ficava atravessada a mesa dos “vips” com as respectivas cadeiras na
direcção dos alunos.
Fazia parte da tradição um
aluno representar os demais na mesa das personalidades, composta por monitores
e convidados. Ainda hoje não sei o porquê de ter sido eu o escolhido para esse
jantar de sábado. Ocupei a cadeira frente ao corredor, “encaixado” na minha esquerda
por um padre, e pela direita, um engravatado qualquer.
Não me lembro de como era
composto o menu, mas os olhos não se desviavam do centro de mesa carregado de
fruta, onde abundava o fruto que tanto apreciava – os pêssegos -!
Uma dúvida me
sobressaltava….Será que os “vip(s)”! comem os pêssegos à dentada…?
Demoro a ver, na minha
frente, um prato pequeno acompanhado de faca e garfo.
Uma voz soa ao meu ouvido.
Era a voz do padre:
…Como te chamas? ...Não comes
fruta…?
Quero um pêssego, mas nunca
os descasquei com faca e garfo, retorqui!
…Vê como eu faço… Disse o meu
companheiro vip.
Sobre o olhar da rapaziada
por perto, quiçá com as mesmas dificuldades no descasque, lá fui
atabalhoadamente descascando com a faca e com o garfo o suculento pêssego. Quando
perto do final de tão arriscada operação, o popular fruto, certamente ofendido
pelo trato, salta a bom saltar do prato e rebola apressadamente pelo corredor,
acompanhado na sua desenfreada correria as gargalhadas de todos que assistiram.
Em conclusão direi:
Nunca mais visitei a Quinta
da Graça!
E jamais, ao longo da vida,
comi pêssegos com faca e garfo!
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