terça-feira, 26 de novembro de 2019
HISTÓRIAS DA “MINHA” ALDEIA
A TROCA DA VIDA DA GRANDE CIDADE PELA ALDEIA,
FOI É UM SONHO ANTIGO QUE SE TORNOU REALIDADE
Foi num outono, a época do ano escolhida para trocar a azáfama da grande cidade pela calma e sossego da aldeia do Pombalinho, situada em pleno coração do Ribatejo.
A recuperação física, a tranquilidade da mente, a luta por melhor qualidade de vida, conferiram em muito as razões para a mudança. Mas não só.
Não me custa reconhecer que o pensamento é antigo. Ao longo dos anos, quando me ausentava da capital em momentos mais frenéticos, saltava ao meu pensamento a vida na aldeia. As suas gentes, os seus usos e costumes, os verdejantes campos, o silêncio diurno e nocturno, o acordar com o chilrear da passarada e com cantar dos galos, o calor da lareira em dias de inverno, tudo me fazia sentir saudade em crescendo e com enorme vontade de nela viver. E assim de facto acabou por acontecer.
TUDO TEM UM INICIO
Corria o ano de 1962. Era verão. No Calhariz de Benfica, em Lisboa, na casa daquele que viria a ser meu sogro, sentado na sala reservada às refeições, era chegada a hora do almoço para o qual eu tinha sido convidado.
À mesa, a minha conversada Maria Emília, D. Adelaide sua mãe, o chefe da família o Sr. José Luís. Quando a comida já fumegava na mesa, o chefe da família, olhando para mim, diz-me em tom quase paternal:
…Já namoras com a minha filha há cerca de dois anos. Eu e a minha mulher temos vindo a pensar que chegou o momento de te dar a conhecer e apresentar à restante família no Pombalinho. É a terra onde nascemos, crescemos e constituímos família. Se bem que a Maria Emília tenha nascido numa quinta vizinha, em Mato do Miranda,
Acrescentando sem rebuço:
…Mas ficas desde já avisado, para evitar os falatórios, não quero que andes de braços-dados, ou com braço por cima dos ombros da rapariga, quanto muito de mãos dadas.
A chamada de atenção tinha a ver com a postura perante as gentes da aldeia. Humildes é certo, educadas e trabalhadoras, mas à época, não era difícil de se verem críticas aos usos e costumes dos adolescentes das grandes cidades.
A VIAGEM
O momento destinado à apresentação da família (a data não posso precisar) foi num fim-de-semana, no verão desse ano.
Na manhã de sábado, a partida do comboio da estação de Braço de Prata, em Lisboa, foi bem cedo.
Acomodado, meu olhar perdia-se na paisagem que o caminho mostrava. O encanto do rio Tejo acima, terras ali-e-aqui cultivadas, os pregões das vendedoras em apoio aos passageiros em algumas das estações, tudo me extasiava.
As duas horas do percurso foram feitas num ápice.
Apeados na estação das Virtudes/Mato Miranda, suportando as malas e demais bagagem, fizemo-nos estrada fora, ladeada a maior parte por plantações de milho, trigo e extensos olivais. O Pombalinho estava a três quilómetros.
OS “VIVAS” À MINHA ESPERA
Na recepção, o viúvo, o Sr. Jerónimo, a Sr.ª Emília Serra e o Sr. Manuel Calado seu marido, respectivamente o pai; a irmã mais velha e o cunhado do meu futuro sogro, sorridentes estendem-me as suas mãos calejadas para me cumprimentarem.
O convidado é alvo de regozijo de todos.
Mas o momento mais alto estava para chegar.
Era habitual os “cafés” e as tabernas serem frequentadas pelos trabalhadores ao final da jorna. Sendo certo que aos fins-de-semana, a azáfama era maior, o vinho jorrava com mais abundância, as conversas sucediam-se, o fado à capela estava sempre presente.
Campinos do Ribatejo
Gente feliz gente sã
Nem sabem como os invejo
Ao vê-los pela manhã
Quem vem assim confiado
Junto do gado é que está crente
Que esses bravos animais
São mais leais que muita gente
Num desses estabelecimentos, perto do largo da igreja, já no final da tarde, na presença de outros familiares da Maria Emília, sobretudo primos, o seu tio Manuel Calado, entusiasmado, não deixava que o meu copo ficasse vazio de vinho branco, a tal ponto que só terminei de beber e de dar cumprimento ao “ritual” tarde demais!
Valeu-me o Emídio Narciso, marido de uma prima da Maria Emília, a Natália Narciso que, se deu trabalho de me segurar e amparar até casa no “porta bagagens” da sua bicicleta, Aqui, o Manuel Calado, sorrindo, depois de mais um ou dois “fados”, insistiu na ajuda na lavagem dos meus pés, no grande tanque existente no quintal. A cama estava por perto.
No dia seguinte, domingo, dia do retorno para Lisboa, sentia algum mal-estar por via das náuseas, da dor de cabeça, e das tonturas que teimavam em não parar. Tal não foi a ressaca. Contudo deu para verificar quanto satisfeitos estavam todos por me terem conhecido! Ao contrário, o José Luís, pai da Maria Emília, ficou fulo quando constatou o novo tom da recente pintura no corredor da casa por via do “néctar vomitado”, afirmando:
…Da próxima vez que vieres ao Pombalinho, não te esqueças de trazer do teu emprego (Robbialac) a tinta necessária para pintares o corredor.
O casamento com a Maria Emília Santos Luís Pica Sinos realizou-se nesta aldeia em 4 de Maio de 1969.
Pombalinho, 21 de Novembro de 2019
Raul Pica Sinos
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