JÁ NÃO BROTA O “SUMO” QUE OUTRORA BROTARA
Durante meio século, poucas foram as modificações verificadas na “minha” meia laranja!
Direi mesmo, no passado, produziu muito mais “sumo” que, nos dias de hoje.
Agora, votado praticamente ao desamparo, sujo e mal estruturado, está longe de ter a mesma importância, brio e vivacidade de outrora!
Foi dado, a este espaço, o nome Largo Dr. Manuel Emídio da Silva, individualidade de reconhecido mérito, responsável desde 1904, por diversos cargos na administração do Jardim Zoológico, inclusive o de Presidente 1934/36.
O Largo em referência dava acesso, ao que, foi classificado durante muitos anos, de importante “ponto de encontro da cultura”.
Quem visitasse o parque zoológico, maravilhava-se pela riqueza da sua vegetação e, da fauna, carregado de muitos animais exóticos, importados de todos os continentes do mundo.
Tal relevância, na cidade e no país, mereceu neste Largo, a construção de um desdobramento do ramal (raquete como lhe chamam os entendidos) das linhas dos carros eléctricos, na carreira nº 1-Benfica.
A nova carreira (1-A), começava nos Restauradores, passava pela Av. da Liberdade, S. Sebastião da Pedreira, terminando no citado largo. Não me ocorre o custo do bilhete para o transporte dos passageiros. A não ser o preço do “operário” que, faço referência mais abaixo.
Foi também autorizado o estacionamento para os táxis que, chegavam, sobretudo aos domingos, a esgotar a toma!
Na verdade, toda esta movimentação originava uma vida diferente.
A visita das gentes oriundas, dos mais diversos locais do país, conferia-lhe uma vivacidade que, no presente já não se verifica.
Por muitas pessoas que, hoje, por ali passem, com excepção dos indivíduos com idade mais antiga, dificilmente ajuizarão, saberão, quão importante foi no passado este Largo, para quem por perto vivia.
Nas décadas de 50/60, em redor da “meia-laranja”, os carris dos carros eléctricos.
Em paralelo existia a praça dos táxis.
Recordo, na pequena banca de madeira, na frente da majestosa entrada do Zoo, a Ti Leonor, a vender amendoins, tremoços e diversas guloseimas.
…Olha o balão! É prá menina e pró menino. Olha o balão! Apregoava o seu filho “carregado” de balões de cores garridas, deambulando de um lado para o outro na estrada.
O “Estica” vestido de fato e, kiko branco. Vendia uma gulosice de cores diversas que, tinha o mesmo nome, transportada numa pequena mala, mais parecendo de viagem. O rebuçado já comprido, quando ao chupá-lo estendia-se até ao ponto de se poder dobrar.
“Olha o Estica” apregoava ele repetidamente.
“Século” ou “Noticias” também apregoava, com a sacola ao ombro, bem cheia de jornais, todos os dias, bem cedo, o Ti Zé jornaleiro. Pai do saudoso José Augusto, avô da Cristina e da Mónica Costa.
Como era simpático este Homem, bem amigo dos miúdos.
Pequeno só na altura.
Nas tardes, com a chegada dos vespertinos, “dispensava-me”, sempre meia dúzia de jornais, para os vender nos carros eléctricos, a circular na linha de Benfica.
Tem cuidado dizia-me ele. E eu como resposta cantarolava. “Olha o Popular”, “Olha o Popular”, imitando-o no seu pregão.
Era a oportunidade de andar na pendura no “americano”, sem levar com o alicate do “pica bilhetes” nas mãos.
Como fruto do “esforço” do trabalho sempre me dava, 20 ou 30 centavos, permitindo-me adquirir, à Ti Leonor, uma mão cheia de amendoins e pevides.
Que saudades do Ti Zé.
Recordo o pessoal na esquina do largo, no café “Jardim”, do Gonçalves, mais tarde pertença do Manuel.
Na frente da sua porta, sentados nas caixas da graxa, o “Digatim” e “Porto”, estalando a bom estalo com o pano no sapato do cliente, quando lhe puxava o lustro.
Freguesia ao fim-de-semana não lhes faltava.
Já no final da década, lá dentro do café, existia uma caixa de discos “Jukebox”, onde os jovens colocavam moedas para a fazer funcionar, possibilitando ouvir as músicas e as canções na “berra”.Elvis Peslay, Paul Anka, Little Richard, entre outros.
Ao lado deste café, uma tasca, segue-se o lugar das frutas e hortaliças da Ti Maria e, a petisqueira Caravana.
Mais tarde e, logo ao lado, surge o restaurante “Coral”.
Situado na outra esquina, apresentava-se já o café “Riviera”. Antes, no mesmo local, a tasca do Flores, onde também se vendia carvão ao fundo da mesma.
O primeiro carro eléctrico a partir do Largo era às 5 horas. O carro eléctrico, classificado “para operários”, funcionava ente as 5 e as 7 horas da manhã.
O preço do bilhete custava então 6 tostões.
Era mais caro fora daquelas horas. Ia sempre cheio.
De 15 em 15 minutos partiam. Os horários eram religiosamente respeitados. Algo que, o rapaz, por vezes não honrava por tarde acordar.
Não foram raros os momentos que, saturado da espera do tempo para as saídas dos carros eléctricos nos horários seguintes, sem rebuço, imitava o assobio do “apito de marinheiro” que, o expedidor usava para dar o sinal ao guarda-freio, quando chegada hora da partida.
Quando “pegava”, era digno de se ver o espanto de expedidor, tendo em conta a “desobediência” do condutor.
Apitando o assobio de forma desordenada, o expedidor fazia parar o carro eléctrico, já situado na estrada de Benfica
…. Onde vai? Dizia o expedidor
…. Não mandou partir? Respondia o colega
A risada não se fazia esperar.
Após os jogos no estádio do S.L.Benfica, era costume, os espectadores deslocarem-se, a pé, na direcção da estação do metro em Sete-Rios.
Quando o Benfica perdia, os largatões, não se esqueciam de aparecerem, na porta do café “Jardim”, para abespinharem os benfiquistas.
Antes, acendiam uma ou mais velas, em sinal de “luto” que, colocavam nas águias existentes, no cimo dos pedestais laterais da entrada do Jardim.
Hoje, são diferentes os tempos.
Com a construção da nova entrada do Jardim Zoológico, na frente da estação do metropolitano e, com o desenvolvimento deste importante transporte, a importância do Largo, já não se faz sentir como outrora.
Com a falência do “americano” no circuito da carreira 1-A, os carris foram retiradas, assim como a paragem dos táxis.
A velha, mas sempre majestosa, entrada do Jardim Zoológico, na frente do Largo foi fechada.
Mais recentemente, na restauração das torres, o relevo das paredes não foi respeitado, em clara ofensa à sua antiga arquitectura.
Verificar as suas cúpulas sem brilho, e amolgadas pelo tempo, não faz sentido.
Ao que parece só as ervas daninhas lhe fazem companhia.
No muro que acompanha o círculo, foi retirado o painel alusivo à Revolução do 25 de Abril de 1974.
O quiosque já não é utilizado por degradado e abandonado há anos.
Já não se verifica a estima e a vivência de outrora!
No entanto creio ser o tempo de algo ser reparado e respeitado!
È urgente dar mais vida à “nossa” meia-laranja!
Não sei se a existência dos caixotes do lixo, na linha de corte com a Estrada de Benfica, mesmo na frente da majestosa entrada do Zoo, será o “monumento” mais indicado, para glorificar os tempos e as pessoas do passado?
Foto do Largo:
Montagem da responsabilidade do autor.
Foto do Ti Zé jornaleiro:
Cedência da neta Mónica Costa.
Foto do bilhete operário:
Luís Cruz-Filipe
Foto das torres do Zoo:
Da responsabilidade do autor.
Mural:
Foto cedida pelo criador do mural
1 comentário:
Temos recordações comuns... A casa onde nasci, qui tinha canto para "a meia Laranja", foi demolida em 1959. Muito infelizmente não consigo encontrar qualquer foto do exterior da casa, mesmo em frente da antiga entrada do J. Zoologico. Por acaso teria conhecimenta da existencia dalguma fotografia da casa ? Obrigado.
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