Era, quando
nos recados à padaria da praça do velho bairro, sobretudo nas manhãs, bem cedo,
antes de me dirigir à escola, uma das ocasiões mais desejável, para me “transportar”
de arco e gancheta.
Andar de
arco de gancheta naquelas ruas, não era de todo fácil. O asfalto existente era
pobre, irregular, as covas eram mais que muitas.
A minha
rua dos Plátanos e, o arruamento de ligação às outras ruas paralelas e, de
acesso à saída do bairro, tinham uma ligeira inclinação. Mais acentuada ao confinar
com largo onde o mercado se encontrava.
Dizer que
este handicap/inclinado originava a velocidade do “transporte” a “dois” tempos.
Primeiro em passo de corrida, mas chegado à rampa, aqui o passo era de caracol.
Contudo, mais difícil era na descida, tendo em conta a velocidade e os pinotes do
arco que, a gancheta e o condutor, mal conseguiam segurar.
O meu
arco era aproveitado de um velho aro de bicicleta, originando nas correrias, por
mais largo e pesado, dificuldades no manejar. Os arcos dos outros miúdos eram mais
leves e finos, eram feitos de ferro, alguns até de aço, mais fáceis de os fazer
rodar e manejar. Não tinha serralheiros metalúrgicos na família para me brindarem
com um destes bólides, desvantagem jamais desmotivadora das entusiásticas
corridinhas, ruas abaixo, na direcção aos “tanques”.
“Tanques”
era o nome dado ao lavadouro comunitário, situado a sul dos arruamentos,
paredes meias com a linha do caminho-de-ferro.
A
rapaziada, aqui chegada, após aturadas correrias, matava a sede com a água sempre
fresca que, brotava das torneiras livres de serventia. Seguia-se o molhar das mãos
e da cara para que suor e, o avermelhado depressa deixasse de incomodar.
Preventivamente,
entre as oliveiras existentes, eramos observados pelas vizinhas na lavagem a
roupa. Uma ou outra, de voz bem elevada e ameaçadora, possuindo, nas mãos, algo
bem encharcado, “convidavam-nos” a desandarmos “dali-pra-fora”, numa atitude de
salvaguardar as roupas lavadas, nos arames estendidas e, a corar no chão sobre as
ervas e chorões, para que, não viessem a ser emporcalhadas, no toca e foge, resultante
de uma discussão da cachopada, mais acesa, na ultimação das sempre difíceis classificações,
para os lugares cimeiros das corridas “ciclo-pedestal” acabadas de realizar.
Hoje,
dificilmente se vê um miúdo a andar de arco e gancheta. Talvez num qualquer velho
bairro ainda existente, numa das colinas desta Lisboa.
O Beirão, na
adolescência, era um “puto” giríssimo. As borbulhas na cara, por via da barba a
surgir, não lhe tirava a graciosidade.
O Zeca, era,
um galã. Vestia primorosamente, quase sempre de fato, oferecendo elevada
elegância.
Os Jovens do
Ritmo, durante 8/9 anos, abrilhantaram musicalmente decerto a mais famosa sala
de baile de Lisboa. Espelho D’Agua, em Belém,
Esta nova história do
velho Bairro das Furnas, vem a propósito por observação das minhas duas netas,
quando num dia, difícil de precisar, as transportei no automóvel e, sintonizo no
rádio uma das estações que, reproduzem música e canções anos 60/70.
Do banco de trás oiço
dizer …Lá vem música dos cotas.!
A discussão foi acesa para
catalogar da preferência do melhor:
Digo eu …Será a
gritaria, a falta de harmonia no ritmo musical, o aumento dos decibéis de
estoirar ouvidos, destes novos conjuntos que esgotam estádios, as danças com
esquemas, é disto que vocês gostam?
Do banco detrás oiço dizer…Não te
enerves, transfere lá essa “cena” para um posto de rádio de jeito, porque, a
hora de dormir ainda não chegou! (diz-me uma delas elas com a concordância da
outra).
Pois foi. Foi esta
troca de “ideias” que, se fez luz na memória, os momentos, sobretudo aos sábados,
quando colocava umas moedinhas na máquina jukebox, existente no café
do Gonçalves, na meia-laranja, ouvindo, repetidamente, as canções então na
“berra”; do Elvis Peslay, do Paul Anka, do Littie Richard, entre outros. Muitas
das vezes já aperaltado para participar numa sessão dançante, ao som das músicas do rock
and roll ou românticas, abrilhantada pela banda Os Jovens do Ritmo!
Creio que
haverá, felizmente, ainda muita gente recordada de ver o Beirão a tocar
guitarra eléctrica e, o saudoso Zeca acompanhando-o cantando.
Este duo foi
um sucesso nas salas de baile das colectividades de Lisboa, ao divulgar músicas
e canções de origem anglo/americanas e, italianas.
Mais tarde, por
exigência do êxito e dos muitos fãs que, a miude os acompanhava, verificou-se da
necessidade de evoluir, passando o duo a quarteto.
Para aqueles que desconhecem tal feito
e, decerto modo, para ficar registadas algumas modestas memórias, direi:
José Domingos A.
Beirão, o Beirão como lhe chamavam. Na adolescência, era um “puto” muito giro.
As borbulhas na cara, por via da barba a surgir, não lhe tirava a graciosidade.
Irreverente, como os demais. Uma “fera” a jogar matraquilhos na tasca do carvoeiro
situada ao fundo da Rua de S. Domingos, esquina com a Estrada de Benfica.
Adorava o rock
and rol, a rebeldia musical, os blusões de cabedal pretos. O fascínio, o
encanto pela música, o som das guitarras eléctricas, infernizava-o diariamente.
Seu pai,
acompanha-o no sonho e, oferece-lhe uma guitarra electrica de marca Eko, de
fabrico italiano, com 6 cordas, com amplificador e barra para vibração, a sua
cor era de um vermelho garrido. Custou 18 contos, quiçá vinte vezes superior ao
ordenado mensal de um operário.
Vaidoso, era
vê-lo depois, não poucas vezes, no quintal do Cataré, a produzir os primeiros
acordes.
O José
Alberto, o Zeca para família e amigos, era um rapazola alto, de cabelo preto e
sempre bem penteado. Vestia primorosamente, quase sempre de fato. Os sapatos sempre
engraxados. Indumentária, no seu conjunto, oferecendo elevada elegância. Era o
que se pode chamar…um galã. Amigo do seu amigo. Gostava muito de brincar e de
cantar todo o género de canções entusiasmantes à época, incluindo mornas de
Cabo Verde. Cantava primorosamente bem, com timbre voz limpo e agradável.
Já se
referiu o êxito e o entusiasmo destes dois amigos. Queriam mais. Ultrapassados
alguns obstáculos, formam uma banda de quarteto, com a junção de um baterista e
de um viola de acompanhamento, rapazolas oriundos de um bairro lá para os lados
da Pontinha.
Os Jovens do
Ritmo, não eram uma banda de menos importância. Em Setembro de 1965, na 7ª
eliminatória do concurso Ié-Ié, no destruído Teatro Monumental, ao Saldanha, há
quem defenda que, não ficou em 1º lugar, porque o vencedor (Gatos Pretos) era apadrinhado
pelo dono do teatro o Sr. Vasco Morgado (pai).
A prova do
seu esmero trabalho não demora a chegar, são convidados a participar no filme (Estrada
da Vida), durante um mês, em Angola, com o artista Tony de Matos.
Durante 8/9
anos de brilhante carreira, mensalmente, são contratados para actuarem (ao sábado)
no Espelho D’Agua, em Belém, engalanando musicalmente decerto a mais famosa sala
de baile de Lisboa.
“Os Jovens
do Ritmo” há muito que são uma recordação. Não fazia qualquer sentido continuar
a abrilhantar as salas de baile de Lisboa, por respeito, à ausência daquele que
foi decerto o seu grande animador.
O Beirão morava na Rua
Eng.º Gomes de Amorim. A rua principal do bairro como ele lhe chama.
Após cumprido o
serviço militar, foi ocupar, com a família, uma nova casa na Quinta das
Pedralvas, em Benfica.
Mecânico de profissão.
Em parceria com o Santana detém uma oficina auto na Rua do Montepio Geral, em
S. Domingos de Benfica.
Desfeita a sociedade
vai viver para a Nazaré. O Sr. Domingos como é conhecido por lá permanece
durante 18 anos.
Hoje, com 70 anos de idade, reside no
Concelho de Alcobaça, mais propriamente na localidade de Alpedriz.
O saudoso
Zeca morava no Bairro Padre Cruz, era namorado da bonita Bina. Depois de casado,
com esta irmã do saudoso Zé Augusto, passa a residir na Rua de São Domingos,
paredes meias com o Bairro.
Foi
funcionário superior da Olivetti e mais tarde concecionário dos mesmos produtos
de comercialização.
Foi o responsável,
durante alguns anos, pelo Departamento do hóquei em patins do Sport Lisboa e
Benfica.
Faleceu aos
40 anos no dia do aniversário da sua mulher.
… Partimos com as mochilas e as tendas de lona
de cor branco sujo às costas!
… Juramos vencer a distância daquele
afloramento rochoso que, distava entre 100 a 150 metros, da praia!
… Já chorava, fiquei assustado de medo, de
morrer afogado,
Há mar e mar…
à ir e voltar
A frase é da autoria do poeta Alexandre O’Neill, criada para
uma campanha contra o afogamento nas praias portuguesas nos anos 80. Vem a
propósito para relembrar a atitude de um amigo de longa data que, perante o
nervosismo acompanhado com o desmedido bracejar, soube, ter a calma e a lucidez
necessárias para que, os dois (eu e ele) ultrapassássemos a forte corrente da fria
água do nosso oceano.
A história data ao ano de 1957 e, começa uns dias antes do
verão, numa casa localizada no lado direito da entrada do velho Bairro.
A casa ora referida, tinha na sua frontaria a praça,
suportava as salas de estudo dos rapazes e das raparigas para complemento pós-escolar,
assim como também as salas da Mocidade Portuguesa (extra-escolar).
A acção extra-escolar da Mocidade Portuguesa, ao contrário do
que acontecia nos períodos escolares, as frequências apresentavam-se livres. Resumiam-se,
sobretudo aos fins-de-semana, com passeios à praia e ao campo. De quando em
quando, promovia visitas a sessões de ginástica e jogos desportivos.
Durante a semana, nem todos os dias, nos finais das tardes e
por vezes às noites, realizavam-se entre os miúdos, alguns campeonatos de jogos
de sala, tais como os jogos de damas e xadrez, entre outros.
Diga-se, em abono da verdade que, uma maioria dos pais tecia em
surdina, grandes críticas políticas à sua existência. Proibiam os seus filhos
das frequências lúdicas ou de qualquer tipo de encontro naquele pavilhão. Não
tanto pelo que faziam, mas sobretudo por aquilo que o organização representava.
Interessante era também verificar as censuras dos
responsáveis pela Acção Social do velho Bairro. Chegavam mesmo a afirmar:
…os dirigentes são incompetentes, pois cultivavam o elemento físico em
detrimento do moral, desviando, por esta via, os rapazes e as raparigas das
aulas de formação moral e, da missa… (in no Livro
o Nosso Bairro)
À parte das críticas e oposições convém dizer que, MP
(extra-escolar), não tinha dificuldade em captar o interesse da rapaziada. Brincávamos,
jogávamos e, de tempos a tempos, sempre tínhamos a oportunidade de darmos uns
passeiozinhos de borla. É num desses passeios que hoje, este meu amigo,
felizmente vivo, reformado caldeireiro de profissão, vai ser relembrado, e agradecido
com aquele abraço.
Não sei precisar quantos de nós carregando nas costas as
mochilas e as tendas de lona de cor branco sujo, partiu no caminho da Serra da Arrábida.
Lá chegados, bem no alto, alegres, todos se dedicaram a
montar os seus acampamentos. A paisagem era maravilhosa e todos (os que sabiam
nadar) faziam promessas e apostas de bravura para chegar a Pedra da Anicha,
mesmo ali na nossa frente.
A inquietação por via da ventania serrana, deixou de ser
preocupação. Todos desejávamos que, a noite fosse pequena, mas não foi.
Depressa aprendemos a importância das estacas, das espias e, dos cordéis de segurança
do equipamento, quando um vento mais forte, levou algumas tendas ravina abaixo,
travadas apenas pelas águas do oceano já na praia do Portinho.
Mas o pior susto estava para chegar! Manhã cedo, eu e o meu
companheiro, tocador de gaita-de-beiços por uma boa parte da noite, olhamos um
para o outro e juramos vencer a distância daquele afloramento rochoso que,
distava entre 100 a 150 metros, da praia e que dá pelo nome, Pedra da Anicha.
Num ápice nos deitamos à água e, não levou muito tempo para
pisar o solo da citada pedra, então repleta de algas e de outras plantas marinhas.
Escalamos a rocha um pouco, levantamos os braços em jeito de vitória para os
demais companheiros nos verem. O que não contávamos, ao regressar, foi com a
forte corrente existente, pois nem com todas as forças no nadar a conseguimos
ultrapassar.
As forças começavam-me a faltar, já chorava, fiquei assustado
de medo, de morrer afogado, quando lúcido e calmo o nosso jubilado caldeireiro disse:
…Raul, deixa-te
levar pela corrente, verás que chagaremos à praia…
… Nos seus
troncos, as cigarras vibravam as membranas em dias de sol…
… No Outono as
suas delicadas, vistosas azeitonas, eram bem pretas e brilhantes…
… A rua onde
crescera e certamente morrera, não tinha nome…
… Nas festas
dos santos populares, tinha como companhia ateada fogueira…
… Uma noite, a
linguagem várias vezes se elevou, ignorando-se quem desejava dormir…
… Ou se calam
ou tomam banho antes de sábado…
O velho Bairro era rico em oliveiras. Rara era a rua que não as tinha.
Sendo que, naquela onde mais abundavam tão robustas árvores deram-lhe justamente
o seu nome; rua das Oliveiras. Ficava bem no alto da colina, paredes meias com
a capela. Hoje, não há gente que, não se lembre, do canto das cigarras quando
vibravam as suas membranas em dias de sol. Ou de ver subir às pernadas, a miudagem,
quando um ninho de um qualquer pássaro era avistado.
De todas estas
árvores decenárias, havia uma, que, alguns de nós miúdos, já adolescentes, lhe dispensávamos
particular atenção. Não tanto pela sua altura, a ultrapassar o telhado da casa em
sua cerca. Não tanto pela beleza das flores despontadas na primavera, rodeadas
de folhas verdes acinzentadas na frente, prateadas e brilhantes por detrás. Ou
no Outono as suas delicadas, vistosas azeitonas, bem pretas e brilhantes. Não,
não era por isso. Era, fundamentalmente pelo local onde estava enraizada, porque,
escondia e bem, quem nela se abrigasse.
A rua onde crescera e certamente morrera, não tinha nome, mas não distava
meia dúzia de metros do meio da Rua Eng.º Gomes de Amorim.
Começava na casa do Sr. José, marido da Ti Belmira, pais do Toni e da Cármen,
bem na esquina da Rua das Tílias. A rua, sem nome, de norte para sul, atravessava,
umas quantas outras ruas, na direcção ao lavadouro comunitário, onde perfilavam
muitas das suas “irmãs”.
Esta “vaidosa” oliveira, estava praticamente “colada” à casa onde vivia o
José Macedo, irmão do Valdemar.
No outro lado, avistava-se a porta do quintal da casa do Sr. Raul Caetano
e, da sua mulher a Ti Julieta.
Neste cruzamento, bem no centro, quando nas festas dos santos populares, tinha
como companhia ateada fogueira. A chama, aqui, era a mais brilhante das noites
festivas. Era o fogacho privilegiado das moçoilas. Na oportunidade, alguns
rapazes, disfarçadamente se empoleiravam nos troncos, para melhor verem, quando
saltavam, as pernas das raparigas.
Ou ela não usa
calças/Ou as tem na lavadeira
Dei por isso
ontem à noite/Quando saltava à fogueira
Quantos fugazes beijos, escondidos, a nossa decenária oliveira “observou”.
Quantas noites, os rapazes espiou, nas proibidas “jogatinas”.
Quantas vezes, por brejeiras conversas, “ruborizou”.
Dizia-se, em crença popular; quando se viam as raparigas a apanhar um
pezinho com 3 azeitonas pretas do chão, tinham como intenção, o colocar debaixo
do travesseiro da sua cama, na esperança de sonhar com o rapaz que, pretendiam
namorar.
Uma noite, não sei precisar o dia e a hora, mas certamente muito tarde, a
linguagem da rapaziada, no calor da discussão, várias vezes se elevou,
ignorando-se, por perto, quem desejava de dormir.
De repente, eis que, uma voz bem forte, ecoou na noite já alta:
…Basta seus
malandros…Não se pode dormir nesta casa…Eu vos digo…
Assustados, em segundos, num ápice, os calcanhares depressa tocara os
traseiros em fuga.
Era a Ti Julieta, mulher do Sr. Raul Caetano que, se apresentou encolerizada,
na porta do seu quintal, de camisa de dormir e, de balde de zinco na mão, rematando:
…Ou se calam já
e, desandam rapidamente daqui para fora, ou tomam banho antes de sábado…
Podiam ter transplantado esta linda decenária para outro local, a exemplo
do que fizeram com parte das oliveiras que existiam nos “tanques”, presentemente
(pouco estimadas) no mesmo local com o nome de rua Alcina Bastos.
Não desfrutou dessa sorte.
Foto 1 A oliveira em referência
Foto 2 As
oliveiras perfiladas nos “tanques”
Foto 3 O presente
local com parte das oliveiras dos tanques
A VIDA E A HABITAÇÃO NO TEMPO EM QUE VIVERAM OS NOSSOS PAIS E AVÓS
…Os ricos continuavam a ir à mercearia… Para os pobres há racionamento…
…Vive-se em barracas, sem qualquer condição de habitação…
…O nosso velho Bairro das Furnas, é inaugurado a 28 de Maio de 1946, os menos “distraídos” sabem o porquê da data…
…A selecção das famílias tem que ter um certo nível económico e moral…
…Em caso de escândalo público procede-se à expulsão dos elementos nocivos…
Entre 1933 e 1974, sabemos ter sido o período da vigência do chamado Estado Novo. Regime político autoritário, conservador, nacionalista e corporativista que, direi, numa só palavra, fascista! Fundado por Salazar com a constituição do ano de 1933. Após a sua morte, em 1968, foi seu discípulo, Marcelo Caetano.
É importante que se saiba que, neste período negro,foi recusada aos portugueses a soberania popular, apenas se discutiam as propostas de lei do Governo. Impedia-se a realização de eleições livres. O objectivo era preservar a existência de um único partido, a União Nacional, cujo presidente era o ditador.
Os sindicatos são constituídos de cariz profissional e, controlados pelo Estado. As greves e as manifestações são proibidas. A imprensa escrita e falada eram censuradas, assim como; os espectáculos, o cinema, as artes plásticas, a música, os livros, etc.
Os racionamentos dos bens alimentares de 1ª necessidade, foram acções propositadas, para abastecer os aliados fascistas (Hitler, Franco, Mussolini, entre outros), obrigando o povo português a viver na maior das misérias. …Os ricos continuavam a ir à mercearia, porque podem pagar os preços altíssimos praticados. Para os pobres há racionamento, cada pessoa tem direito a quantidades exíguas de azeite, banha, arroz, açúcar, bacalhau ou batatas…
Do livro Os Anos de Salazar (5)
A igreja e o regime caminhavam lado a lado, sustentando a trilogia defendida pelo governo “Deus, Pátria, Família”.
As lutas por melhores condições de vida, dos operários e outros trabalhadores, desenvolvem-se. São presos às centenas por todo o país.
A partir de 14 de Setembro de 1936, quem quisesse trabalhar na função pública, tinha que assinar uma declaração de “repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas”. Do Livro os Anos de Salazar (4).
Por temor, ou com o receio de represálias, muitos aceitaram, outros, aos milhares, recusaram com dignidade e coragem.
O descontentamento da população, por via do desemprego e da repressão continuava a muito. Vive-se nas piores condições de vida, com fome, sem assistência médica, sem dinheiro, com os bens de 1ª necessidade racionados por todo o país.
O Governo, no intuito de “abrilhantar” o regime e, procurar “calar” o desagrado dos operários, dos desempregados e, também uma grande franja de funcionários públicos, sobretudo nas grandes cidades, (por exemplo, Lisboa e Porto), a viverem em barracas, sem quaisquer condições de habitação, desenvolve um vasto programa de obras públicas, nomeadamente; hospitais, cadeias, tribunais, escolas, novas rodovias, etc., criando algum emprego, mas mesmo assim, obrigando, com as empresas contratadas, a praticar uma política salarial que, não alterasse o nível de vida pobre, ou seja: na defesa de baixos salários.
É neste retrato, muito resumido do quadro político, económico e social que, os nossos pais e avós viveram.
REQUISITOS FAMILIARES PARA O INGRESSO NO NOSSO VELHO BAIRRO
Na época, e, em acordo com a mesma filosofia política, o nosso velho Bairro das Furnas, classificado, como outros já antes construídos, de “casas desmontáveis”, resulta de um plano da Câmara Municipal, financiado a fundo perdido pelo governo. Este plano veio a concretizar, algum realojamento da população citadina, a habitar em barracas, onde proliferavam muitos funcionários públicos e, outros trabalhadores que, os novos empreendimentos desalojou.
Com pompa e circunstancia, é inaugurado a 28 de Maio de 1946, mas só começado a ser habitado 2 meses mais tarde, percebendo os menos “distraídos”, o porquê da data.
…Estes bairros (casas desmontáveis) permitem seleccionar as famílias que, depois, vão ocupar as casas de categoria superior…
…A selecção das famílias vai-se fazendo, à medida que, vão atravessando gradualmente os bairros, até atingirem um certo nível económico e moral, altura em que, estão aptas a ingressarem nos bairros de casa definitivas…
(do livro O Nosso Bairro)
A lei classificou o bairro, em termos do rendimento familiar, em 2º lugar.
Classificados em 1º lugar, de nível económico inferior, consagrou os Bairros da Quinta da Calçada e da Boavista.
Em 3º lugar, com rendimento familiar mais elevado, aparece o Bairro do Caramão de Ajuda. Mas, …Para as famílias habitarem no nosso velho Bairro, para além da “superioridade” do factor económico, foi acrescentado da “superioridade” do factor moral, assim:
…Ser casado pelo menos pelo civil.
- Quer dar-se, a par do nível superior, a sua dignidade como casados, e como pais -
O CONTROLO DA ACÇÃO SOCIAL E A RONDA DOS “BUFOS”
Logo após a inauguração, visando a gestão, civil e administrativa, foi constituída, uma Comissão - Administrativa e de Acção Social – onde os legionários da Legião Portuguesa, os fiscais da P.S.P e, as assistentes sociais, tinham várias atribuições, não faltando o controlo do comportamento dos moradores.
Assim:
…Em caso de escândalo público, ou de desmoralização evidente, a assistente social pode propor à Comissão Administrativa, a saída daqueles membros que estão a fazer mal ao Bairro. A Comissão de acordo com o Centro (Social) procede, então, à expulsão desses elementos nocivos…
…Quando há necessidade, dos rapazes e raparigas, serem colocados em tutorias reformatórios, ou casa de regeneração…a família é aconselhada interná-los, no ReformatóriodoBom Pastorde S. José, em Viseu.
…Quando são elementos que podem prejudicar a moralidade dos outros habitantes, não devem residir mais ali (no Bairro) e são convidados a sair…
(do Livro O Nosso Bairro)
A privacidade era obrigatoriamente exposta. Para além do factor económico estavam sujeitos a informar, para registo, a sua vida social, moral e religiosa.
Continuando:
Era sabido que, quando havia suspeitas de não terem sido observadas, por moradores, as regras instituídas, não se podia vetar a entrada do vigilante nas casas.
Entre outras, havia as seguintes regras:
- Não haver colocadas mais torneiras de água, para além das permitidas (chaminé, casa de banho e chuveiro), porque, pressupunha-se, se houvesse mais torneiras, haveria mais gastos de água.
- Com a energia eléctrica para não exceder o consumo estipulado, não eram autorizadas quaisquer extensões da luz da sala de entrada, para as restantes divisões. Recomendava-se o uso do candeeiro a petróleo. Durante o dia, com a justificação: para evitar desleixo e abusos. A casa fica bem iluminada com a luz do sol entrando a jorras através das janelas (do livro O Nosso Bairro)
Referir, no caso da energia eléctrica era fornecida no mesmo horário da iluminação pública e, a única lâmpada que havia era a da sala de entrada. Não podia ter uma voltagem superior a 25W. Obviamente, as telefonias, quem as podia possuir, só podiam funcionar a pilhas.
– Sem a devida autorização da Comissão Administrativa, não era permitido receber nas casas (pernoitar) quaisquer pessoas que não fizessem parte do seu agregado familiar.
(do livro O Nosso Bairro)
– Não era permitido que os moradores possuíssem cães, gatos nas suas residências ou, criação de animais de capoeira, justificado por, para evitar maus cheiros, falta de limpeza e aglomeração de insectos, que tornava as habitações insalubres.
(do livro O Nosso Bairro)
Pobre sofre!
Abril, Sempre, Fascismo nunca mais!
Fotos:
1- Filas para aquisição das senhas de racionamento Arquivo particular Dr. M. Soares
2- Bairro das Minhocas Arquivo C.M.L.
3 – Fachada da entrada do Centro Social do Bº das Furnas do livro O Nosso Bairro
Quis o
acaso que, naquele sábado, me encontrasse na rua de maior movimento pedonal. A
Rua das Tílias. Esta rua ficava na entrada do meu velho Bairro das Furnas. Dava
ligação a muitas outras - das Oliveiras, das Faias, das Nogueiras; dos Salgueiros
-. Tinha uma ligeira inclinação a partir do meio, onde, no seu primeiro
cruzamento, floresciam um número considerado de bonitas piteiras.
O alinhamento
das casas era do lado direito de quem a descia. À esquerda, acompanhava-a no
primeiro lanço uma sebe, sustentando um gradeamento que, separava todo um aparato
social; o Posto médico, o Jardim infantil e a Creche.
Na frente
da casa com o nº 2, a limpar, com a ajuda de um trapo, as mãos carregadas de
óleo, sorridente, dizia o meio oficial de mecânica auto;
…Está
pronto Raul, está pronto…Já faz fumo…
Não era
para menos, o carro, ora reparado, encontrava-se na frente da sua porta há
cerca de uma semana e, o cliente certamente já o tinha reclamado.
Retribuindo
o sorriso, dirigi-me ao Carlos Santana e, em jeito de interrogação questiono-o…e
agora?
Agora?
Agora, aparece a seguir ao jantar, vamos dar uma volta, retorquiu.
Mãe, vou
dar uma volta com o Santana, não me demoro, vamos experimentar um carro que ele
consertou.
Em traje
de fim-de-semana, lá me apresento à chamada. Junto ao “Anglia Prefecta” de cor
preta, já lá estava o Zé Manuel, o filho da Ti Julvira que, logo me afaga a
cabeça, contente, por me ter por companhia.
Era o
mais novo do trio, tinha 12 anos de idade. Os meus companheiros certamente mais
3/4 anos de idade.
Aventurados,
já noite, o nosso condutor ainda “desencartado”, escolheu como trajecto, para
“pista de experiência automobilista”, a marginal de Lisboa/Cascais.
O velho carro
acompanhava um comboio. Provocado o maquinista com acenos, este respondeu ao
desafio. As marchas foram aceleradas, nervosamente trocaram-se apitos e buzinadelas.
Nem o
chapéu-de-chuva aberto dentro do carro, por via da chuva miudinha a entrar
pelos buracões no tejadilho, obstara, em largas centenas de metros, tão
divertida corrida.
Ao chegar
à vila de Carcavelos alguém disse:
… E se
fossemos ver do baile à Capricho Carcavelense…
Dito e
feito, arrumado o carro, lá fomos dar o nosso pezinho de dança por umas quantas
horas, mas um pouco antes de acabar a animação, não me recordo qual um dos meus
companheiros (ou os dois) fez a seguinte comunicação: “Eh pá Raul! Agora, vamos
entregar o carro, é longe e, ficamos por lá. É melhor regressares ao Bairro, tens
comboio daqui a pouco”.
Já só os
vi pelas costas. Fiquei na dúvida de tão misteriosa conversa. Quando saímos do
Bairro, nada me foi dito em conformidade. Pensei, talvez…raparigas? No entanto não
me moveu, o que, quer que fosse, para contrariar tal decisão.
Na
estação, vejo, por ser fim-de-semana, que os horários dos comboios eram mais
espaçados.
Esperei
cerca de uma hora para a bilheteira abrir. Observo o dinheiro no bolso, só dava
para permitir ter bilhete de passagem, até à estação de Belém. O horário do comboio
a parar nesta estação, só por volta das 07 horas. Nada a fazer, outras
alternativas não havia.
Quando
cheguei à estação de Belém, tirei o “azimute” do caminho para casa; Subir a
calçada da Ajuda, avançar na direcção aos 4 caminhos na serra do Monsanto, continuar
o trajecto até prisão, situada bem no alto. Chegado aqui, para o Bairro, foi só
descer a encosta. Já na entrada, o sol dava-me pelo joelho.
Foi a
minha primeira noite (das muitas) fora de casa!
Quando
abro a porta da entrada do “ninho”, vejo sentada, com os braços sobre a mesa, raladíssima
e encolerizada minha mãe, que, de pronto me perguntou:
… Por
onde tens andado? Até à polícia já fui…
A custo
lá expliquei.
Não
convencida, outro “baile” iniciou.
No
entanto direi, mesmo depois de todas a vicissitudes, foi muito bela a minha
primeira noite fora de casa.
Março
2013
Nota:
A 1 ª
foto foi tirada, com a devida vénia, da página do Bairro das Furnas/Faceboock
que, agradeço e, ajustada ao tamanho do texto.
A 2ª e 3ª
foto perdidas no Google, sofreram alteração da autoria do autor deste texto