segunda-feira, 24 de junho de 2013

HISTÓRIAS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS (XXXVIII)

 
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… Partimos com as mochilas e as tendas de lona de cor branco sujo às costas!
… Juramos vencer a distância daquele afloramento rochoso que, distava entre 100 a 150 metros, da praia!
… Já chorava, fiquei assustado de medo, de morrer afogado,

Há mar e mar… à ir e voltar

A frase é da autoria do poeta Alexandre O’Neill, criada para uma campanha contra o afogamento nas praias portuguesas nos anos 80. Vem a propósito para relembrar a atitude de um amigo de longa data que, perante o nervosismo acompanhado com o desmedido bracejar, soube, ter a calma e a lucidez necessárias para que, os dois (eu e ele) ultrapassássemos a forte corrente da fria água do nosso oceano.

A história data ao ano de 1957 e, começa uns dias antes do verão, numa casa localizada no lado direito da entrada do velho Bairro.
A casa ora referida, tinha na sua frontaria a praça, suportava as salas de estudo dos rapazes e das raparigas para complemento pós-escolar, assim como também as salas da Mocidade Portuguesa (extra-escolar).

A acção extra-escolar da Mocidade Portuguesa, ao contrário do que acontecia nos períodos escolares, as frequências apresentavam-se livres. Resumiam-se, sobretudo aos fins-de-semana, com passeios à praia e ao campo. De quando em quando, promovia visitas a sessões de ginástica e jogos desportivos.
Durante a semana, nem todos os dias, nos finais das tardes e por vezes às noites, realizavam-se entre os miúdos, alguns campeonatos de jogos de sala, tais como os jogos de damas e xadrez, entre outros.

Diga-se, em abono da verdade que, uma maioria dos pais tecia em surdina, grandes críticas políticas à sua existência. Proibiam os seus filhos das frequências lúdicas ou de qualquer tipo de encontro naquele pavilhão. Não tanto pelo que faziam, mas sobretudo por aquilo que o organização representava.
Interessante era também verificar as censuras dos responsáveis pela Acção Social do velho Bairro. Chegavam mesmo a afirmar:

 …os dirigentes são incompetentes, pois cultivavam o elemento físico em detrimento do moral, desviando, por esta via, os rapazes e as raparigas das aulas de formação moral e, da missa… (in no Livro o Nosso Bairro)

À parte das críticas e oposições convém dizer que, MP (extra-escolar), não tinha dificuldade em captar o interesse da rapaziada. Brincávamos, jogávamos e, de tempos a tempos, sempre tínhamos a oportunidade de darmos uns passeiozinhos de borla. É num desses passeios que hoje, este meu amigo, felizmente vivo, reformado caldeireiro de profissão, vai ser relembrado, e agradecido com aquele abraço.

Não sei precisar quantos de nós carregando nas costas as mochilas e as tendas de lona de cor branco sujo, partiu no caminho da Serra da Arrábida.
Lá chegados, bem no alto, alegres, todos se dedicaram a montar os seus acampamentos. A paisagem era maravilhosa e todos (os que sabiam nadar) faziam promessas e apostas de bravura para chegar a Pedra da Anicha, mesmo ali na nossa frente.
A inquietação por via da ventania serrana, deixou de ser preocupação. Todos desejávamos que, a noite fosse pequena, mas não foi. Depressa aprendemos a importância das estacas, das espias e, dos cordéis de segurança do equipamento, quando um vento mais forte, levou algumas tendas ravina abaixo, travadas apenas pelas águas do oceano já na praia do Portinho.

Mas o pior susto estava para chegar! Manhã cedo, eu e o meu companheiro, tocador de gaita-de-beiços por uma boa parte da noite, olhamos um para o outro e juramos vencer a distância daquele afloramento rochoso que, distava entre 100 a 150 metros, da praia e que dá pelo nome, Pedra da Anicha.

Num ápice nos deitamos à água e, não levou muito tempo para pisar o solo da citada pedra, então repleta de algas e de outras plantas marinhas. Escalamos a rocha um pouco, levantamos os braços em jeito de vitória para os demais companheiros nos verem. O que não contávamos, ao regressar, foi com a forte corrente existente, pois nem com todas as forças no nadar a conseguimos ultrapassar.
As forças começavam-me a faltar, já chorava, fiquei assustado de medo, de morrer afogado, quando lúcido e calmo o nosso jubilado caldeireiro disse:

…Raul, deixa-te levar pela corrente, verás que chagaremos à praia…

Há mar e mar… à ir e voltar

Julho de 2013

Foto: Fotoconde

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