quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O TRABALHO (III)

Na primavera do ano de 1961, todas as instalações, da Robbilac Portuguesa, existentes na Rua Nova do Carvalho, foram transferidas para o Conde Redondo, mais propriamente para a Rua Luciano Cordeiro. Creio que tal mudança deveu-se a razões de espaço físico, para lançamento e afirmação de novos produtos, desenvolvimento dos recursos humanos e das vendas.

Com 14 anos, este era agora o meu local de trabalho. Aqui, foram-me destinadas novas responsabilidades, que consistiam em percorrer, praticamente a pé, as freguesias da cidade de Lisboa (divididas com um colega de nome João Sequeira), a fim de detectar e recolher informações, junto dos empreiteiros com prédios ou andares em construção ou remodelação. Todas as obras (pequenas ou grandes) tinham que ser obrigatóriamente balizadas, no exterior com madeira, de forma a estar denunciada a empreitada, e disso, dava conhecimento aos vendedores no final do dia.

Quando a Câmara Municipal autorizou a consulta das licenças de obra, nos respectivos serviços do licenciamento, o meu trabalho no exterior acabou. Passei a ser responsável, por registar e debitar as encomendas, recebidas por telefone, do sector retalhista (drogarias), e ainda pelas existências e reposição das amostras (latas de 1/8 ou ¼ de litro) das diversas especialidades de tintas.

Dois anos depois, no meu bairro, lembro-me que “afinava” com alguns miúdos, porque ao cruzarem-se comigo, gozavam, cantando o anúncio que passava vezes sem conta na rádio…
E agora? Agora, bate chapas e tintas Robbilac…
Ou ainda…
Pinta, pinta, pinta com a tinta Robbiallac
Que é a tinta que mais pinta, que mais dura.
Quem não pinta com a tinta Robbiallac
Pinta, pinta para borrar sempre a pintura…

Estes anúncios estavam ligados à estratégia da propaganda da empresa. O refrão era cantado por Maria Pereira, fadista, contratada em exclusivo.

Maria Pereira também actuou nas principais cidades do país, em dezenas de espectáculos graciosos, para clientes ou potenciais clientes. Esta artista (que era a mulher de um dos Administradores), era também conhecida pelas suas actuações prolongadas. Em cada espectáculo nunca cantava menos de 30 ou 40 fados. Por isso, tornou-se costume ouvir-se, no meio fadista, daqueles que “abusavam” nas suas interpretações… Eh pá, estás armado em Maria Pereira…?

Recordo uma brincadeira motivada pelo meu deslumbramento espacial, e pelo sucesso do astronauta russo Yuri Gagarine…o primeiro homem no espaço numa órbita em torno da terra de 40 mil quilómetros, feita em 108 minutos.

Na época, fortemente entusiasmado pela corrida espacial entre os russos e americanos no objectivo de colocar o primeiro homem na lua, (feito que veio a acontecer pelos americanos no ano de 1969), chamo o meu colega, João Sequeira, e convido-o para fazermos um “foguetão”. A base espacial e rampa de lançamento seria na “casa das amostras”, dependência situada no mesmo andar onde trabalhávamos, ideia que teve a sua concordância.

O “foguetão” era nem mais nem menos, uma carga da esferográfica parker carregada com cabeças de fósforos, bem atacadas, colocadas em cima de uma pequena rampa, elevada a cerca de 30 graus e feita em madeira.

Mais à frente da rampa, a cinco metros de distância, um alvo pintado a preto. O feito era conseguir, com a explosão, que a cabeça da esferográfica, que segurava o “rolon”, fosse projectada contra o alvo, furando-o bem ao centro.

O dia do lançamento tinha que ser feito, numa altura em que a secção estivesse vazia de vendedores e o respectivo chefe (Dr. João Abel) ausente. Conseguida a oportunidade, deitamos mãos à “obra”, besuntámos a carga da esferográfica com verniz celuloso… e “fogo nele”.

Que desilusão, a única coisa conseguida, foi o susto às funcionárias administrativas (a Gaito e a Margarida) pelo estalar da detonação. Bem insistiram no…”que aconteceu?”...Por vergonha, nunca lhes contamos o nosso insucesso.

Já mais “espigado”, as brincadeiras com os colegas passaram a ser futebolísticas, aos sábados de tarde ou domingos de manhã, no Estádio Nacional, em Paços D’Arcos, ou no campo do Palmense, em Palma. Em horário pós laboral, no Ginásio Clube Português, na luta Greco-Romana, e já com 19 anos, no Estádio do Campo Grande, no rugby pelo Benfica.

Um ano depois ingresso nas fileiras militares, sou mobilizado para a guerra colonial na Guiné-Bissau, reocupando o meu lugar no emprego, dois anos depois, em Março de 1969.

1 comentário:

José Justo disse...

Amigo
Nem calculas a quantidade de vezes que comprei tintas nesta casa.
Trabalhei 23 anos na Rua Sousa Martins, lembras-te onde é? bem pertinho.
Grandes trajecto de vida o da tua juventude, e curiosos estes relatos.
Continua, um abração