sábado, 1 de setembro de 2012

O TROMBALAZANAS E OS MIUDOS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS XXVI


…Direi mesmo que, dada a existente “familiaridade”, era fácil brincar e promover pequenas provocações, sobretudo com os primatas…
…Não era preocupante para a família, por umas horas, a ausência do(s) seu(s) rapaz(es)...
… À 2ª feira, o dia estava reservado para faltar à escola…
…Durou até que o guarda, híper zangado por lhe baixarem o “salário”, nos descobriu.



Estou seguro que, nos dias de hoje, as crianças com as idades compreendidas entre os 7 e os 13 anos, não têm as mesmas oportunidades na frequência, que, os miúdos do meu velho bairro das Furnas tiveram, no mesmo espaço da idade, quando das idas ao Jardim Zoológico.



São muito evidentes, os diferentes propósitos, se confrontados com o passado.
Ainda bem.
Actualmente as crianças, com as suas visitas ao Zoo, têm mais possibilidades de conhecer, em profundidade, toda a raridade do mundo animal, seus usos e costumes.
São-lhes indicados os longínquos países e, os seus verdadeiros habitats.
São acompanhados frequentemente com os familiares, professores, animadores culturais, etc.
Apadrinham animais, conversam e trocam opiniões com os tratadores.
Brincam com outras variedades de brinquedos.
Tudo é mais dinâmico do ponto de vista recreativo, cultural, educativo e ecológico.



Para nós, miúdos do velho bairro, o “Jaleco”, também fazia parte da nossa vida! Até de noite, já deitados, metia-nos respeito ouvir, quando o vento de feição, o rugir dos leões, o uivar dos lobos, o “chorar” das hienas ou o cantar dos pavões.
Sabíamos dos espécimes de animais existentes na sua vida de cativeiro.
Prontamente visitávamos os novos “habitantes”. Direi mesmo que, dada a existente “familiaridade”, era fácil brincar e promover pequenas provocações, sobretudo com os primatas.
Chamávamos os animais pelo nome que lhes era dado. Mas estávamos longe das explicações de zoologia, biologia e dos impactos que, hoje, aos miúdos é facultado.



Habituados que estávamos à “rua”, não constituía problema a distância entre o velho bairro e o jardim. Também não era preocupante para a família, por umas horas, a ausência do(s) seu(s) rapaz(es).
Vejo-me descer até meio da Rua das Furnas.
Vejo-me descer as escadas do muro da meia laranja e, minha frente verificar a majestosa entrada do jardim, ladeada por 2 lindas torres.
Descer a Travessa de S. Domingos de Benfica, era a alternativa. Á direita encontrávamos o Convento Franciscano de Santo António da Convalescença, que veio a albergar Escola Comercial de Pedro de Santarém.
O “jaleco” era vedado (é), por um gradeamento em ferro, na vertical, no feitio de lança (caçadores zulus?) que, distavam entre si 20cm a 25cm.
Este gradeamento estava pintado de verde (é). Acompanhava a Estrada de Benfica, desde as traseiras do Chafariz das Aguas-Boas, passava por Sete-Rios e, acabava no Jardim das Laranjeiras, em Palma.



Conta-me o Artur Amorim (o ti jaquina), da rua dos Salgueiros que, por vezes, à 2ª feira, o dia estava reservado para faltar à escola.
A ideia era ir ao encontro de um “familiar” muito especial. O trombalazanas como lhe chamava, no filme “Chapéus há muitos”, o Vasco Santana.
No caminho, manhã cedo, muito antes da abertura oficial, depois de se certificarem não haver guardas à vista, ele e, mais 2, infiltravam-se no “jaleco” pelo gradeamento – o Bica, da rua dos Plátanos, por gorduchito, depois de enfiada a cabeça, o corpo era empurrado –.
Progrediam no caminho, nada lhes importando os olhares efetuosos das diferentes espécies animalescas.
O dia era para usufruir dos “benefícios” das “transações monetárias.



Ou seja:
Para satisfação da população visitante, certamente para suporte das despesas da sua alimentação, o elefante, terá sido ensinado, a troco de uma moeda de 1 escudo, acionar um sino, preso numa parede na altura de 3 metros, tendo fixa uma corrente, com larga argola, onde enfiava a tromba e o fazia tocar.
Todas as moedas que não se ajustassem, a 1 escudo, eram rejeitadas pelo animal, mesmo aquelas de valor superior.



Porquê à 2ª feira? Pergunto!

…Porque era o dia a seguir aquele que, mais visitantes, o elefante tinha tido...
Assim:
…Enquanto eu, (diz o Ti Jaquina-Artur), mostrava uma moeda de 1 escudo ao elefante, possibilitava ao Bica e, ao Fernando Batista, da rua das Tílias saltar, sem medos, para a arena, com vistas a apanhar todas as moedas que, o trombalazanas, rejeitara...
…Durou até que o tratador e guarda, híper zangado por lhe baixarmos o “salário”, nos descobriu...
…Depois disso, a correria, a fugir do tratador, foi muita até ao jardim, mas….das Furnas...



Tirando a “aventura” atrás relatada, já foi referido que, o dia privilegiado da presença da rapaziada no Jardim Zoológico, eram os domingos.
Nesses dias, no chamado jardim dos pequeninos, desenvolviam-se jogos de diversas modalidades:
Corrida de sacos, salto à bolacha, corrida livre (50m), etc.
Também se brincava nas minúsculas casinhas ainda hoje existentes.
Aliás, para obviar a rapaziada entrar pelas grades que, acontecia com alguma frequência, participávamos sempre nos jogos, então promovidos por um existente animador.
Com as melhores classificações obtia-se, como prémio, ingressos grátis para a semana seguinte.
Outros, ainda tinham a oportunidade, quando o vigilante se distraía ou na ausência do mesmo, de usufruir de outros “prémios”, sobretudo os ovos dos cócós que, nos ninhos, por detrás das pequenas casinhas, abundavam. Ou ainda, “chinchar” nas laranjas e nas maças dependuradas nas árvores de frutos que, por perto estavam plantadas.



Fotos:
Perdidas pelo Google
Foto de topo: Entrada do Jardim, nas Estrada de Benfica
Foto nº 1 Trav. de S. Domingos de Benfica
Foto nº 2 o Trombalazanas
Foto nº 3 a moeda do que se escreve
Foto nº 4 uma casinha do jardim dos pequeninos

1 comentário:

twin_mummy disse...

Confesso que deparei com o blog perfeitamente por acaso. Estava a escrever um post sobre o Jardim Zoológico, que visitei recentemente com os meus filhos, e achei giro mostrar-lhes o velho elefante do sino, que eu tinha prometido que iríamos encontrar.

Apesar de ser de uma outra geração, faz também parte das minhas recordações de infância, e foi com tristeza que percebi, aquando da nossa visita, que não tinham encontrado um substituto e que já nem sino há.

Sendo eu de um típico bairro lisboeta, foi também bom encontrar mais alguém que, como eu, tenta preservar parte das histórias da infância. No meu caso, para já, para os filhos, mas espero que um dia também para esses tais 'netos' de que fala.

Muitos parabéns pelas memórias, pela prosa simples e solta, e pelo blog. Irei ficar atenta! ;)