sábado, 15 de setembro de 2012

HISTÓRIAS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS XXVIII



                                                    A CHINCHADA
...Só era fértil, neste terreno bravio inclinado e árido, as ervas daninhas…
… Ao invés, os terrenos dos quintais, na sua esmagadora maioria apresentavam-se bem aproveitados…
… Também não sendo raro que, não tivessem mais de uma árvore de fruta...
… Estimulando a apetência ao mais pacato dos miúdos…
… A noite era o período mais apropriado para as “operações de assalto”...



Todo aquele que gosta da sua vida estima o seu passado! Não sou o autor da expressão, no entanto direi haver muito boa gente com opinião inversa.
Não é o meu sentimento.
Lembro o passado para reviver as coisas boas porque passei. Aquelas que me deram gozo. As menos boas também, pouco, relembro, sobretudo para delas, hoje, fazer juízo.



Na mesma senda referir, da existência na minha humilde biblioteca, a monografia escrita pela Sr.ª Dª Mª de Lurdes P. Gomes, que, não me canso de a ler.
Esta monografia está descrita no livro com o título “ O Nosso Bairro” que, em boa hora, diversos furnianos intervieram na sua composição e publicação. Destaco, na qualidade de autores, o Sr. Leodegário Chaves Nascimento e o Sr. José Fernando Cardoso da Silva (Dr.).
É uma monografia que traduz um desmedido valor histórico.
Define de forma clara as exigências da “civilidade social, económica e política” do regime de Salazar e Caetano.



É uma boa opção lê-lo.
Possibilita aferir e, confrontar a vida passada com a vida de hoje. O que passaram os pais e os avós.
A edição é da responsabilidade da Associação de Moradores do Bairro das Furnas. Foi publicada no ano de 2006.



Nos momentos da leitura, faz-me recordar, com sorriso, a minha vivência com muitos dos cachopos da minha idade. Alguns, infelizmente, fisicamente já não se encontram entre nós.
Também me faz recordar com mesma saudade, homens e mulheres, cujo respeito e estima era reciproco.
Faz-me rememorar as dificuldades com que as famílias se debatiam. E, as lutas, no dia-a-dia, para as ultrapassar.
Contudo, são sobretudo as traquinices de miúdo, a ocupar os lugares cimeiros da minha memória.



Assim;
Tenho presente o declive da rua das Oliveiras, que terminava junto das ruas da Tílias e das Faias.
O declive ficava para lá do meio da citada rua, onde, mais tarde, também veio a ter um estendal, justificado pela distância que ficava o comunitário, por perto da rua dos Choupos, traseiras com a rua dos Plátanos.
Aqui, só era fértil, neste terreno bravio inclinado e árido, as ervas daninhas.
Havia a possibilidade de alugar à Câmara Municipal, alguns m2, poucos, por uma vintena de centavos, cada. No entanto a água, que, estava incluída na renda da casa, tinha que ser transportada por regador ou por balde, uma vez que era proibido utilizar as boca-de-incêndio por perto existentes.
Creio que foram as dificuldades criadas com a rega que, o terreno esteve sempre inculto, ao invés, dos terrenos dos quintais que, na sua esmagadora maioria se apresentavam bem aproveitados com plantações.



Refere em sede o monograma:
…Possuem o seu quintal mais ou menos bem arranjado, pois isso depende do gosto e da paciência, de cada um…
…Alguns com uma árvore, como seja a figueira….
…A alimentação é um dos problemas mais grave…Daqui se pode depreender que eles (crianças) precisam de uma alimentação forte e cuidada…



Não vou escrever sobre a exigência ou da expressão acima citadas, nem das facilidades conseguidas com uma plantação, num considerável terreno que, um jardineiro e, um fiscal, no fim do bairro, junto ao caneiro abatataram, regado por água proveniente do local que, aos outros era negado.
Vou antes, relembrar inocentes traquinices dos miúdos do meu velho bairro, enquadrando nalgumas asserções incertas no já citado monograma.

Na frente ou nas traseiras, todas as habitações tinham quintal.
Era raro o quintalinho que não tivesse uma pequena horta.
Alguns eram, em alternativa, bem floridos. Tinham em vasos ou no próprio terreno flores plantadas, sobressaindo, entre outras, as rosas, os jarros, os crisântemos e, as hortenses. Também não sendo raro que, não tivessem mais de uma árvore de fruto.
O meu, por exemplo, tinha um pessegueiro e uma macieira. Como a macieira era enxertada, para além das maças, dava também peras. Chegou a ter, enrolado no ripado, paredes meias com o quintal da Ti Rosa, uns pés de videira. Davam uvas muito pequenas, só ficando doces quando já secas pelo sol.
Se existisse classificação na qualidade, referiria haver quintais com árvores de fruta cinco estrelas. Estimulando a apetência ao mais pacato dos miúdos.



É verdade que, não era difícil adquirir uma peça de fruta, desde que tal pedido, aos donos, não se tornasse repetitivo. Mas, para satisfação da gulosice, só através da “chinchada”.
Dizer, precisando, só ser possível “chinchar” nos quintais na frente das casas, os nas traseiras só naqueles fazia esquina das ruas.
A noite era o período mais apropriado para as “operações de assalto”.
Fora desse período, só quando tínhamos a certeza não haver ninguém por perto, para evitar quem nos pudesse denunciar.



Coitada da Ti Vitória, da Rua Eng.º Gomes de Amorim, mesmo ladeada pelo fiscal Garcia e, pelo chefe Alberto da polícia municipal, as suas belas romãs não tinham descanso nas mãos dos “inegrumes” miúdos.
E, as ameixas do quintal do pai da Amélia “alta”.
Sim, a Amélia, moradora na primeira moradia da rua dos Choupos, mesmo em frente à da Fernanda Arsénio.
Neste quintal, havia várias árvores de fruta. Em especial as que davam alperces e ameixas.
As ameixas eram de cor amarela, carnudas, grandes e doces.
A miudagem da rua e não só, na passagem, não resistiam ao desejo de as comer. E, logo que podiam, saltavam o ripado. Pelo seguro, comiam uma ou outra logo arrancada. Assim, o Ti Durão, já não podia obrigar a devolvê-las.



No quintal da Ti Maria das Dores, vendedeira de frutas e hortaliças numa carroça, moradora na esquina da rua dos Ulmeiros, existia uma ameixeira cujas pernadas ultrapassavam em muito a área do arranjado quintal.
Era muito fácil colher as ameixas. As pernadas da árvore vinham quase ao meio da rua que, dava comunicação às outras ruas por perto.
As ameixas eram em tudo idênticas, às ameixas da árvore do Ti Durão. Desiguais só na cor. Eram roxas.
Uma vez, alguém foi acusado de ratoneiro, por ser suspeito de ter arrebatado umas quantas peças de fruta.
A denúncia foi feita ao pai do rapaz.
Não meteu o fiscal do bairro que, passava as multas, mas não a favor dos lesados. Azar dos azares.
O pai aplicou-lhe alguns sopapos, injustamente, porque dessa vez, o nosso companheiro não esteve presente no desenrolar das “operações”.



De facto, havia sérias dificuldades para se ter em conta a …alimentação forte e cuidada…
Com a fruta, eram os próprios miúdos que, na maioria das vezes, a acautelavam.



Bibliografia:
O Nosso Bairro
Fotos:
Quintais das Ruas Eng. Gomes de Amorim e dos Choupos
do Arquivo Furnianos

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