sábado, 29 de setembro de 2012

HISTÓRIAS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS (XXX)



A LUTA DAS “MIUDAS” PELA SUA EMANCIPAÇÃO (I)

…A emancipação da mulher, era um perigo para a imagem e o bom nome da família…
…O trabalho era para o homem, a casa para a mulher!
…Era chegado o tempo de substituir as saias plissadas pelas saias lisas e ligeiramente ajustadas ao corpo...
…Tenho saudades de ver as raparigas da minha idade, quando se deslocavam para os seus trabalhos, apressadas, bem cedo…



No limiar dos 5 anos da existência do meu blog, http://raulpicasinos.blogspot.pt/, alguns interessantes retratos da minha vivência, mas também, acontecimentos de antanho, com as gentes do meu velho Bairro das Furnas, já foram descritos. Mas há um (entre outros) que, reputo de grande significado e, a minha mente, ainda não descercou.



Refiro-me às miúdas que, comigo cresceram, e partilharam dias de alegria, quiçá affairs, mas também arrufos, necessariamente enquadrando, no texto, as influências do foro social e económicas então impostas.



No regime do Estado Novo, foi desenvolvido o conceito para que, pais e maridos continuassem a considerar a emancipação da mulher, um perigo para a imagem e o bom nome da família.
A mulher era a principal responsável, pela criação e, da educação dos filhos.
Também na defesa do “seu” homem, mas subalternizada perante “ o chefe da família”.
Depois tinha que estar remetida ao silêncio do lar.



Propagandeava-se que não era socialmente correcto, desenvolver atitudes que almejassem a mulher fora de casa.
O trabalho era para o homem, a casa para a mulher!
Para um lar estável, a função da mulher, esgotava-se no ato de dar à luz, na criação e na educação dos filhos.



Na década de 60 foi mais visível, não ser essa a posição, para o seu futuro, da mulher portuguesa:
É visível nos sucessivos actos que, a mulher jovem recusa tais juízos.
Não estava no seu horizonte ficar apenas como “dona de casa”.
Tem outras ambições.
Ouvir todos os dias, na Rádio Renascença, o “Clube das Donas de Casa”, está fora de questão.
Procura engajar trabalho, nas fábricas ou nos serviços.
Luta de forma a desmitificar a ideia do homem e, do estado, ao afirmarem que, com a emancipação, não ser capaz de gerir as três funções; a vida doméstica, a educação dos filhos e o trabalho.
Luta pela igualdade nos direitos, por melhores condições de vida que, sistematicamente lhes são sonegadas.

Na generalidade, é assim que irrompem, na adolescência, as miúdas do meu velho bairro.
Não sem críticas, de gentes que sustentavam as orientações do regime (na grande parte das vezes injustas) e, por quem por perto as rodeava.
Disso é paradigma o que está descrito, na página 97, da monografia da Dª. Mª de Lurdes, no livro o “Nosso Bairro”:



…As raparigas, principalmente as que estão empregadas em modistas ou fabricas, preocupam-se muito com o luxo (*) do seu vestuário, especialmente aos domingos, quando vão passear, ou ao cinema….
…Não é raro encontrar por vezes uma rapariga muito bem vestida e calçada, com a linha moderna, das costureiras da cidade, ao lado da mãe muito mais modesta…
…Como os vencimentos não são grandes, a alimentação é muitas vezes descuidada em favor do luxo (*), chegando a privar-se de certos alimentos essenciais e comendo deficientemente, apenas para matar a fome, para poderem fazer uma permanente ou comprar uns sapatos novos, ou uma carteira….
…Algumas mães há, que também reagem quando as filhas ainda novinhas querem começar a pintar-se, ou a fazer permanentes, mas pouco e pouco vão cedendo, e as filhas acabam por fazer o que querem….
…O luxo das actrizes revelados na tela (cinema) enche-as de desejo de as imitarem, e de darem nas vistas pelo seu aspecto exterior, e então as tranças são cortadas e o rosado das faces é trocado pelo rouge….
…Os vencimentos ganhos durante um mês ou uma semana de trabalho são depois gastos rapidamente dum dia para o outro, em objectos por vezes muito dispensáveis, sem irem ajudar ao menos um pouco, no orçamento familiar…



A maior parte destas afirmações são a prova provada dos ventos de mudança e, da luta das mulheres jovens do meu velho Bairro das Furnas, no caminho da sua emancipação.
Honram a família, mas não querem ficar apenas remetidas ao lar, como as suas mães ficaram. Sentem-se no direito de ter as mesmas oportunidades dos homens.



No que vem redigido, por exemplo na moda, corresponde à realidade a influência da música, do cinema e da televisão na juventude feminina.
Mas não confundamos a árvore com a floresta!
Uma coisa é a luta das mulheres pela sua emancipação, pela igualdade nos direitos, por melhores condições de vida.
Outra coisa é, dar a entender que as raparigas, em geral, “largavam tudo e todos” para satisfação dos seus “caprichos”.



É certo que eram visíveis novos cuidados com a sua imagem.
Algumas, empregadas em grandes e médias empresas de serviços, tinham que ter cuidados redobrados com o seu vestuário, mas daqui ao luxo, ia uma grande distância.
Para a generalidade, era chegado o tempo, de substituir uma ou outra peça de roupa de fancaria mais pobre.
Era chegado o tempo de substituir as saias plissadas pelas saias lisas e ligeiramente ajustadas ao corpo.
As blusas, sobretudo feitas pelas operárias costureiras, apresentavam-se já com as influências europeia, mais modernas, ligeiros decotes, golas largas e, à cave.
Muitas passaram a usar as chamadas meias de vidro, com os sapatos com um 2/3cm de salto. Mas, dadas as dificuldades económicas da família e, pelos parcos vencimentos resultantes do trabalho. A maioria das miúdas do meu bairro calçava, os mesmos sapatos rasos, aos domingos, que, usavam durante os dias da semana.



Infelizes dos cabeleireiros/as existentes no velho bairro.
A Julieta, moradora na rua das Oliveiras e, o saudoso Zé Lobo, morador na rua dos Freixos, rezavam a todos os santinhos para terem, amiúde, muitos clientes. Só nos dias de casamento ou nos dias do bailarico tinham essa sorte.



Tenho saudades de ver as raparigas da minha idade, quando se deslocavam para os seus trabalhos, apressadas, bem cedo, de modo a não perderem o elétrico operário que, partia da “meia-laranja”.
Como eram bonitas as miúdas do meu bairro, aos domingos, de véu pelos ombros ou na cabeça e, de missal na mão, no caminho da capela!
Graciosas e elegantes nos dias de casamento. Algumas quiçá “emproadas”, pela oportunidade de estrear nova indumentária!
Como divertidas eram e, algo aliviadas de antiquados preconceitos, por ocasião dos bailaricos que se realizavam no bairro, nas coletividades em redor, quando no caminho, a pé, para assistirem a um filme, nas matines de domingo, no cinema Bélgica, em Palma, ou ainda em passeio pela Mata de S. Domingos! Vaidosas q.b., porque não?



Redigir que, comiam deficientemente a favor do luxo excessivo (*), não constitui verdade! Como também não deixa de ser exagerada a expressão:

……Os vencimentos ganhos durante um mês ou uma semana de trabalho, são depois gastos rapidamente dum dia para o outro, em objectos por vezes muito dispensáveis, sem irem ajudar ao menos um pouco, no orçamento familiar…



Salvo melhor opinião era bem o contrário que, eu observara!
A esmagadora maioria das raparigas que trabalhavam, tinham por costume e por respeito, entregar em casa todo o salário recebido!
Só depois as suas mães ou pais lhes devolviam, uns parcos escudos que, religiosamente poupavam para satisfação de uma ou outra necessidade, ou de um ou outro “desejo”.
A estima pelos seus pais era muita! O desrespeito pela família e, pela casa, não se colocava. Estava fora de qualquer questão.



Em jeito de conclusão referir que, em Portugal, a década de 60, marcou uma ampla evolução das mulheres e na sociedade portuguesa.
A década de 70, com a problemática e o avanço da guerra colonial e não só, troce, para as mulheres significativos avanços nas conquistas, em campos até aí dominados pelos homens e, onde imperava alguma misoginia.
Sublinhar que, foi sobretudo através da luta que, as mulheres souberam encontrar os caminhos com vistas a libertarem-se do rótulo de antigamente.



As miúdas do velho Bairro das Furnas disso foram exemplo.

Notas:
O Bold, os tracejados e os (*), são da responsabilidade do autor
Imagem:
Morte de Catarina Eufémia de José Dias Coelho
Foto manequim:
Perdida no Google

sábado, 22 de setembro de 2012

RECORDANDO AMIGOS XXIX

…Logo quando o teu pai chegar, para te castigar, vou fazer-lhe queixa…
…Vai saber do teu grande disparate...

Com a face algo ruborizada, foram as expressões da senhora Dª Graviolina, ao saber que, a sua filha se sentava, por vezes, num muro a arremessar pequenas pedras às ratazanas, que, se escondiam no silvado em redor de um existente caneiro por perto da sua casa.
Pela tarde, com o pai, fechados no quarto, a “ralhação” para servir de exemplo à aprendiza caçadora, às suas duas outras irmãs e, ainda fazer jus às inquietações da sua mãe, é substituída, por um fraterno afago nos seus lisos e belos cabelos, com a seguinte pergunta:

…então conta lá como foi?..

Recordando os dois em voz baixa, rindo, por iguais brincadeiras do seu pai enquanto menino e moço.
Ao saírem do quarto, faziam por não esquecer o semblante bem carregado, para que, a restante família fosse sabedora da “descompostura” então “aplicada”.

Refiro-me à Teresa Carvalho, a Té, moradora na Rua dos Salgueiros. Resultado de um ligeiro apanhado de uma conversa, em relembre, de histórias com os/as miúdos/as do meu velho Bairro das Furnas.
Esta moça, extremamente divertida, amiga do seu amigo e, generosa. Está sempre disponível na cooperação de eventos da sua especialidade profissional e, não só.
Extremosa mãe de um rapaz, o Gui. É uma das três filhas da Sr.ª Dª Graviolina e do saudoso Georgino. Gino como lhe chamavam os amigos. Operário, serralheiro mecânico de profissão.
Homem de educação superior.
Excelente pai e, estimado por todos que, com ele tiveram o privilégio de conviver.

Mas tudo isto a propósito…
Esta furniana de gema, cuja estima e, respeito que, é muito, é especialista em designer. Surpreendeu-me, em passado recente, pela oferta de várias fotos montagens da minha pessoa, em cenários e temas só ser possível por alguém com a imaginação fértil, nas diferentes filosofias da programação visual. E que muito lhe agradeço.
O que Té não sabia e, só agora o denuncio, uma das imagens que projectou, cá o rapaz, enquanto adolescente tinha também por hobby o fascínio pelos toiros, não tanto como cavaleiro, mas antes como forcado.

Certa vez, na Azinhaga do Ribatejo, terra do José Saramago e, vizinha da terra natal dos pais da minha mulher, o Pombalinho, era dia de festa em honra do santo padroeiro.
Por primos da minha mulher fui convidado a assistir, não só aos diferentes eventos, como em especial à tradicional festa brava, considerada como um dos momentos mais altos do programa, a que chamam de “picaria”.

Vejo-me a ser conduzido a uma cerca redonda, à qual os espanhóis chamam de “tentadero”. Era feita de varas de pau compridas, de carroças e de carros de bois, não só para servir de bancadas aos aficionados, de abrigo a alguns “pingados” eufórico pelo néctar da “uva” e, determinados a desafiar a bravura dos animais, como também delimitar o espaço destinado às “lides tauromáquicas”.
No entanto apercebi-me que, o convite adicionava o desafio ao “menino de Lisboa”, a mostrar (como os naturais) a sua valentia na frente de tão corpulentos e bravos bichos.

O prémio para quem conseguisse pegar, a mais corpulenta vaca, era de 500$00 escudos, cuja nota estava enrolada num pequeno saco de pano no cachaço do animal.
Estava fora de questão agarrar a vaca pelos cornos, não havia “grupo de forcados” em número suficiente.
A “sorte” seria agarrar a vaca de cernelha, tendo um dos primos a servir de rabejador.
Analisado os prós e, os contras, pareceu-me fácil a tarefa. Não só para ganhar o dinheiro, mas sobretudo para mostrar que o “menino de Lisboa” era tão valente ou mais, como aqueles que se tinham emprestado a organizar o desafio ao “empertigado e musculado alfacinha”.

Num ápice, num determinado salto para a “arena”, em “paço de ganso” para a necessária surpresa, dirijo-me pela direita à corpulenta vaca, por modo a não ser possível avistar-me.
Quando faltavam 2 metros para o sucesso, não é que a vaca vira a “cara”, olha para mim e, para o meu parceiro rabejador, “pensando certamente o que é que estes querem” e, sem demoras, a descarada investe, originando uma fuga desenfreada. Valeu-me na defesa a cerca construída com as citadas varas de pau.

O “menino de Lisboa” honrou a sua terra. A sua a valentia ficou provada e brindada em “vivas e olés”, várias vezes, numa tasca por perto.
Só quem não ficou lá muito contente, foi a Ti Georgina, minha mãe. Teve que lavar a baba da vaca colada nas calças, por duas vezes, mostrando que foi por um triz que não houve “voo picado” em tão belo e divertido dia.

Foto nº1:
Escolha do autor da página da Teresa Carvalho
Foto nº2:
Foto montagem com a imagem do autor da autoria da Teresa Carvalho
Foto nº3:
Perdida no Google

sábado, 15 de setembro de 2012

HISTÓRIAS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS XXVIII



                                                    A CHINCHADA
...Só era fértil, neste terreno bravio inclinado e árido, as ervas daninhas…
… Ao invés, os terrenos dos quintais, na sua esmagadora maioria apresentavam-se bem aproveitados…
… Também não sendo raro que, não tivessem mais de uma árvore de fruta...
… Estimulando a apetência ao mais pacato dos miúdos…
… A noite era o período mais apropriado para as “operações de assalto”...



Todo aquele que gosta da sua vida estima o seu passado! Não sou o autor da expressão, no entanto direi haver muito boa gente com opinião inversa.
Não é o meu sentimento.
Lembro o passado para reviver as coisas boas porque passei. Aquelas que me deram gozo. As menos boas também, pouco, relembro, sobretudo para delas, hoje, fazer juízo.



Na mesma senda referir, da existência na minha humilde biblioteca, a monografia escrita pela Sr.ª Dª Mª de Lurdes P. Gomes, que, não me canso de a ler.
Esta monografia está descrita no livro com o título “ O Nosso Bairro” que, em boa hora, diversos furnianos intervieram na sua composição e publicação. Destaco, na qualidade de autores, o Sr. Leodegário Chaves Nascimento e o Sr. José Fernando Cardoso da Silva (Dr.).
É uma monografia que traduz um desmedido valor histórico.
Define de forma clara as exigências da “civilidade social, económica e política” do regime de Salazar e Caetano.



É uma boa opção lê-lo.
Possibilita aferir e, confrontar a vida passada com a vida de hoje. O que passaram os pais e os avós.
A edição é da responsabilidade da Associação de Moradores do Bairro das Furnas. Foi publicada no ano de 2006.



Nos momentos da leitura, faz-me recordar, com sorriso, a minha vivência com muitos dos cachopos da minha idade. Alguns, infelizmente, fisicamente já não se encontram entre nós.
Também me faz recordar com mesma saudade, homens e mulheres, cujo respeito e estima era reciproco.
Faz-me rememorar as dificuldades com que as famílias se debatiam. E, as lutas, no dia-a-dia, para as ultrapassar.
Contudo, são sobretudo as traquinices de miúdo, a ocupar os lugares cimeiros da minha memória.



Assim;
Tenho presente o declive da rua das Oliveiras, que terminava junto das ruas da Tílias e das Faias.
O declive ficava para lá do meio da citada rua, onde, mais tarde, também veio a ter um estendal, justificado pela distância que ficava o comunitário, por perto da rua dos Choupos, traseiras com a rua dos Plátanos.
Aqui, só era fértil, neste terreno bravio inclinado e árido, as ervas daninhas.
Havia a possibilidade de alugar à Câmara Municipal, alguns m2, poucos, por uma vintena de centavos, cada. No entanto a água, que, estava incluída na renda da casa, tinha que ser transportada por regador ou por balde, uma vez que era proibido utilizar as boca-de-incêndio por perto existentes.
Creio que foram as dificuldades criadas com a rega que, o terreno esteve sempre inculto, ao invés, dos terrenos dos quintais que, na sua esmagadora maioria se apresentavam bem aproveitados com plantações.



Refere em sede o monograma:
…Possuem o seu quintal mais ou menos bem arranjado, pois isso depende do gosto e da paciência, de cada um…
…Alguns com uma árvore, como seja a figueira….
…A alimentação é um dos problemas mais grave…Daqui se pode depreender que eles (crianças) precisam de uma alimentação forte e cuidada…



Não vou escrever sobre a exigência ou da expressão acima citadas, nem das facilidades conseguidas com uma plantação, num considerável terreno que, um jardineiro e, um fiscal, no fim do bairro, junto ao caneiro abatataram, regado por água proveniente do local que, aos outros era negado.
Vou antes, relembrar inocentes traquinices dos miúdos do meu velho bairro, enquadrando nalgumas asserções incertas no já citado monograma.

Na frente ou nas traseiras, todas as habitações tinham quintal.
Era raro o quintalinho que não tivesse uma pequena horta.
Alguns eram, em alternativa, bem floridos. Tinham em vasos ou no próprio terreno flores plantadas, sobressaindo, entre outras, as rosas, os jarros, os crisântemos e, as hortenses. Também não sendo raro que, não tivessem mais de uma árvore de fruto.
O meu, por exemplo, tinha um pessegueiro e uma macieira. Como a macieira era enxertada, para além das maças, dava também peras. Chegou a ter, enrolado no ripado, paredes meias com o quintal da Ti Rosa, uns pés de videira. Davam uvas muito pequenas, só ficando doces quando já secas pelo sol.
Se existisse classificação na qualidade, referiria haver quintais com árvores de fruta cinco estrelas. Estimulando a apetência ao mais pacato dos miúdos.



É verdade que, não era difícil adquirir uma peça de fruta, desde que tal pedido, aos donos, não se tornasse repetitivo. Mas, para satisfação da gulosice, só através da “chinchada”.
Dizer, precisando, só ser possível “chinchar” nos quintais na frente das casas, os nas traseiras só naqueles fazia esquina das ruas.
A noite era o período mais apropriado para as “operações de assalto”.
Fora desse período, só quando tínhamos a certeza não haver ninguém por perto, para evitar quem nos pudesse denunciar.



Coitada da Ti Vitória, da Rua Eng.º Gomes de Amorim, mesmo ladeada pelo fiscal Garcia e, pelo chefe Alberto da polícia municipal, as suas belas romãs não tinham descanso nas mãos dos “inegrumes” miúdos.
E, as ameixas do quintal do pai da Amélia “alta”.
Sim, a Amélia, moradora na primeira moradia da rua dos Choupos, mesmo em frente à da Fernanda Arsénio.
Neste quintal, havia várias árvores de fruta. Em especial as que davam alperces e ameixas.
As ameixas eram de cor amarela, carnudas, grandes e doces.
A miudagem da rua e não só, na passagem, não resistiam ao desejo de as comer. E, logo que podiam, saltavam o ripado. Pelo seguro, comiam uma ou outra logo arrancada. Assim, o Ti Durão, já não podia obrigar a devolvê-las.



No quintal da Ti Maria das Dores, vendedeira de frutas e hortaliças numa carroça, moradora na esquina da rua dos Ulmeiros, existia uma ameixeira cujas pernadas ultrapassavam em muito a área do arranjado quintal.
Era muito fácil colher as ameixas. As pernadas da árvore vinham quase ao meio da rua que, dava comunicação às outras ruas por perto.
As ameixas eram em tudo idênticas, às ameixas da árvore do Ti Durão. Desiguais só na cor. Eram roxas.
Uma vez, alguém foi acusado de ratoneiro, por ser suspeito de ter arrebatado umas quantas peças de fruta.
A denúncia foi feita ao pai do rapaz.
Não meteu o fiscal do bairro que, passava as multas, mas não a favor dos lesados. Azar dos azares.
O pai aplicou-lhe alguns sopapos, injustamente, porque dessa vez, o nosso companheiro não esteve presente no desenrolar das “operações”.



De facto, havia sérias dificuldades para se ter em conta a …alimentação forte e cuidada…
Com a fruta, eram os próprios miúdos que, na maioria das vezes, a acautelavam.



Bibliografia:
O Nosso Bairro
Fotos:
Quintais das Ruas Eng. Gomes de Amorim e dos Choupos
do Arquivo Furnianos

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

QUANDO OS MIUDOS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS VIAM OS COMBOIOS PASSAR XXVII


…Via-me sentado, nos bancos corridos, com janela aberta, “sonhando” no seu andamento…
…Desapontados, pela proibição dos seus “sonhos”, as traquinices não se faziam esperar!...
…Denunciarmos quem na referida máquina de amendoins, colocava fichas metálicas na vez de moedas, estava for de questão…
…Já não fumegam as máquinas que puxam as carruagens...

Os comboios sempre me fascinaram.
Era de pé, em cima do muro, que, os olhava na sua passagem.
Fumegantes, cativava-me o frenesim da sua marcha.
O meu olhar não deixava de os acompanhar e, em cantoria ecoava, como alguém me ensinou…pouca terra, pouca terra, pouca terra.
Uuuuuuuuh, uuuuuuuh, “respondia a velha locomotiva”, como de um cumprimento se tratasse.
No seu andamento, nunca o meu sono foi estorvado. Habituei-me, noite dentro, a ouvi-los!
Faziam parte do meu dia-a-dia e, das crianças que, comigo brincavam no meu velho Bairro das Furnas.

A linha do comboio – Ramal de Sintra – Entre as estações de Campolide e, da Cruz da Pedra, mais junto a esta, existiam uma serie de desvios das linhas férreas, dando acesso à oficina, ficando esta, paredes meias, com o muro de pedra.
O casarão oficinal era enorme, comprido, construído em madeira.
Cinza escura era a sua cor.
Uma ou outra linha, nele entrava.
Trabalhava lá o “Chico”, morador no nº 11 da minha rua, em frente à minha casa.

A curiosidade era muita e, muitas foram as vezes que, pulei aquele muro, no fim das ruas do velho bairro, virado para o Monsanto.
Atravessei as hortas envolventes amanhadas e, conservadas verdejantes pelos ferroviários.
Sorrateiramente acercava-me, do casarão chamado “cocheira” dos comboios.
Subi, por vezes, as escadas das velhas carruagens ali estacionadas, certamente a aguardar reparações, ou já no fim da vida.
Então, via-me sentado, nos bancos corridos, com janela aberta, “sonhando” no seu andamento, quantas vezes interrompido, por um ferroviário qualquer.

…Que estás tu aqui a fazer? Interrogava-me!
Vim apanhar amoras, desculpando-me.
O colorido da boca e das mãos não o desmentia.
De seguida, o ferroviário, com o braço e, o dedo indicador, estendidos na direcção das silvas, lá ia dizendo:

…Vá. Vai-te embora. Vai apanhar amoras! Não voltes! Podes magoar-te. É muito perigoso andar por aqui…

Quantos destes avisos não foram respeitados, por mim e, pelos miúdos do meu velho Bairro das Furnas que, desapontados, pela proibição dos seus “sonhos”, as traquinices não se faziam esperar!

Nos calções, presa à cintura, a fisga.
Algumas das lâmpadas dos candeeiros suspensos nos postes da eletricidade, assim como parte das “canecas” brancas com fios enrolados, dificilmente ficavam de “pé”, por revanchismo à “vitimização” perpetrada pelos operários ferroviários.

A propósito, conta-me um conterrâneo que, o seu pai, serralheiro, trabalhador na fábrica das cervejas, trazia para casa, como trabalho extraordinário, com vistas ao seu polimento, várias anilhas de ferro, das quais algumas tinham o diâmetro igual às moedas de 50 centavos (1 croa).
O nosso conterrâneo, como não podia deixar de ser, era chamado ao “trabalho” que, sorrateiramente algumas, com satisfação, desviava para os bolsos.

De facto foram muitas as vezes que, o Chefe da estação dos comboios, da Cruz da Pedra, com a bandeirola de cor vermelha enrolada no pau, nos observava a manusear a máquina existente naquela estação e, carregada de amendoins descascados.
Também, não foram raras as vezes que, nos interrogava, para denunciarmos quem na referida máquina de amendoins, colocava fichas metálicas na vez de moedas.

A operação consistia do seguinte:
Esperava-se que, os comboios parassem na estação.
O Chefe estava obrigado a sair da bilheteira, para dar assistência aos utentes e ao maquinista do comboio.
Era o momento que, o nosso amigo sacava os amendoins que podia, introduzindo na máquina as anilhas ferro que, serviam na perfeição.

Empreendedor, o nosso conterrâneo, mais tarde, empacotava-os em pequenos cartuchos, e, em clara concorrência desleal com a Ti Leonor, aos domingos, à porta do “jaleco”, a 1 escudo os vendia.

Confrontada com a “oposição” do fornecedor das “alcagoitas”, a troco de umas quantas fichas, a solidariedade dos amigos era muita.
A “rotação deste material”, rico em minerais, foi de tal forma que, quando havia miúdos por perto da estação, o Chefe, “para segurança dos amendoins”, não tinha outra solução senão fechar a estação, só a abrindo, quando as partidas dos comboios se verificassem.

Com o tempo tudo passa.
Na década de 50, os comboios apresentam-se mais modernos.
As carruagens deixam de ser de chapa e, de madeira, passam a ser de aço inoxidável canelado.
É também nesta década concluída eletrificação do ramal.
A velocidade é bem maior.
Tudo tem o seu tempo.
O muro, as hortas e, o casarão já não existem,
Já não fumegam as máquinas que puxam as carruagens.
Já não faz sentido o cantarolar …pouca terra, pouca terra, pouca terra...
O silvo, uuuuuuuh, uuuuuuuh, já não se houve.
Deixámos de ver e, de tropeçar nos corredores, com as gaiolas com patos, com galináceos, com as sacas cheias de produtos hortícolas, etc..
Nas máquinas, os amendoins descascados, foram substituídos por bolinhas multicolores de pastilhas elásticas e, mais caras.
Inclusive a velha estação foi demolida!
O Mundo pula e avança.


Foto nº 1 Montagem. Restantes fotos: Perdidas no Google.

sábado, 1 de setembro de 2012

O TROMBALAZANAS E OS MIUDOS DO MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS XXVI


…Direi mesmo que, dada a existente “familiaridade”, era fácil brincar e promover pequenas provocações, sobretudo com os primatas…
…Não era preocupante para a família, por umas horas, a ausência do(s) seu(s) rapaz(es)...
… À 2ª feira, o dia estava reservado para faltar à escola…
…Durou até que o guarda, híper zangado por lhe baixarem o “salário”, nos descobriu.



Estou seguro que, nos dias de hoje, as crianças com as idades compreendidas entre os 7 e os 13 anos, não têm as mesmas oportunidades na frequência, que, os miúdos do meu velho bairro das Furnas tiveram, no mesmo espaço da idade, quando das idas ao Jardim Zoológico.



São muito evidentes, os diferentes propósitos, se confrontados com o passado.
Ainda bem.
Actualmente as crianças, com as suas visitas ao Zoo, têm mais possibilidades de conhecer, em profundidade, toda a raridade do mundo animal, seus usos e costumes.
São-lhes indicados os longínquos países e, os seus verdadeiros habitats.
São acompanhados frequentemente com os familiares, professores, animadores culturais, etc.
Apadrinham animais, conversam e trocam opiniões com os tratadores.
Brincam com outras variedades de brinquedos.
Tudo é mais dinâmico do ponto de vista recreativo, cultural, educativo e ecológico.



Para nós, miúdos do velho bairro, o “Jaleco”, também fazia parte da nossa vida! Até de noite, já deitados, metia-nos respeito ouvir, quando o vento de feição, o rugir dos leões, o uivar dos lobos, o “chorar” das hienas ou o cantar dos pavões.
Sabíamos dos espécimes de animais existentes na sua vida de cativeiro.
Prontamente visitávamos os novos “habitantes”. Direi mesmo que, dada a existente “familiaridade”, era fácil brincar e promover pequenas provocações, sobretudo com os primatas.
Chamávamos os animais pelo nome que lhes era dado. Mas estávamos longe das explicações de zoologia, biologia e dos impactos que, hoje, aos miúdos é facultado.



Habituados que estávamos à “rua”, não constituía problema a distância entre o velho bairro e o jardim. Também não era preocupante para a família, por umas horas, a ausência do(s) seu(s) rapaz(es).
Vejo-me descer até meio da Rua das Furnas.
Vejo-me descer as escadas do muro da meia laranja e, minha frente verificar a majestosa entrada do jardim, ladeada por 2 lindas torres.
Descer a Travessa de S. Domingos de Benfica, era a alternativa. Á direita encontrávamos o Convento Franciscano de Santo António da Convalescença, que veio a albergar Escola Comercial de Pedro de Santarém.
O “jaleco” era vedado (é), por um gradeamento em ferro, na vertical, no feitio de lança (caçadores zulus?) que, distavam entre si 20cm a 25cm.
Este gradeamento estava pintado de verde (é). Acompanhava a Estrada de Benfica, desde as traseiras do Chafariz das Aguas-Boas, passava por Sete-Rios e, acabava no Jardim das Laranjeiras, em Palma.



Conta-me o Artur Amorim (o ti jaquina), da rua dos Salgueiros que, por vezes, à 2ª feira, o dia estava reservado para faltar à escola.
A ideia era ir ao encontro de um “familiar” muito especial. O trombalazanas como lhe chamava, no filme “Chapéus há muitos”, o Vasco Santana.
No caminho, manhã cedo, muito antes da abertura oficial, depois de se certificarem não haver guardas à vista, ele e, mais 2, infiltravam-se no “jaleco” pelo gradeamento – o Bica, da rua dos Plátanos, por gorduchito, depois de enfiada a cabeça, o corpo era empurrado –.
Progrediam no caminho, nada lhes importando os olhares efetuosos das diferentes espécies animalescas.
O dia era para usufruir dos “benefícios” das “transações monetárias.



Ou seja:
Para satisfação da população visitante, certamente para suporte das despesas da sua alimentação, o elefante, terá sido ensinado, a troco de uma moeda de 1 escudo, acionar um sino, preso numa parede na altura de 3 metros, tendo fixa uma corrente, com larga argola, onde enfiava a tromba e o fazia tocar.
Todas as moedas que não se ajustassem, a 1 escudo, eram rejeitadas pelo animal, mesmo aquelas de valor superior.



Porquê à 2ª feira? Pergunto!

…Porque era o dia a seguir aquele que, mais visitantes, o elefante tinha tido...
Assim:
…Enquanto eu, (diz o Ti Jaquina-Artur), mostrava uma moeda de 1 escudo ao elefante, possibilitava ao Bica e, ao Fernando Batista, da rua das Tílias saltar, sem medos, para a arena, com vistas a apanhar todas as moedas que, o trombalazanas, rejeitara...
…Durou até que o tratador e guarda, híper zangado por lhe baixarmos o “salário”, nos descobriu...
…Depois disso, a correria, a fugir do tratador, foi muita até ao jardim, mas….das Furnas...



Tirando a “aventura” atrás relatada, já foi referido que, o dia privilegiado da presença da rapaziada no Jardim Zoológico, eram os domingos.
Nesses dias, no chamado jardim dos pequeninos, desenvolviam-se jogos de diversas modalidades:
Corrida de sacos, salto à bolacha, corrida livre (50m), etc.
Também se brincava nas minúsculas casinhas ainda hoje existentes.
Aliás, para obviar a rapaziada entrar pelas grades que, acontecia com alguma frequência, participávamos sempre nos jogos, então promovidos por um existente animador.
Com as melhores classificações obtia-se, como prémio, ingressos grátis para a semana seguinte.
Outros, ainda tinham a oportunidade, quando o vigilante se distraía ou na ausência do mesmo, de usufruir de outros “prémios”, sobretudo os ovos dos cócós que, nos ninhos, por detrás das pequenas casinhas, abundavam. Ou ainda, “chinchar” nas laranjas e nas maças dependuradas nas árvores de frutos que, por perto estavam plantadas.



Fotos:
Perdidas pelo Google
Foto de topo: Entrada do Jardim, nas Estrada de Benfica
Foto nº 1 Trav. de S. Domingos de Benfica
Foto nº 2 o Trombalazanas
Foto nº 3 a moeda do que se escreve
Foto nº 4 uma casinha do jardim dos pequeninos