A LUTA DAS “MIUDAS” PELA SUA EMANCIPAÇÃO (I)
…A emancipação da mulher, era um perigo para a imagem e o bom nome da família…
…O trabalho era para o homem, a casa para a mulher!
…Era chegado o tempo de substituir as saias plissadas pelas saias lisas e ligeiramente ajustadas ao corpo...
…Tenho saudades de ver as raparigas da minha idade, quando se deslocavam para os seus trabalhos, apressadas, bem cedo…
No limiar dos 5 anos da existência do meu blog, http://raulpicasinos.blogspot.pt/, alguns interessantes retratos da minha vivência, mas também, acontecimentos de antanho, com as gentes do meu velho Bairro das Furnas, já foram descritos. Mas há um (entre outros) que, reputo de grande significado e, a minha mente, ainda não descercou.
Refiro-me às miúdas que, comigo cresceram, e partilharam dias de alegria, quiçá affairs, mas também arrufos, necessariamente enquadrando, no texto, as influências do foro social e económicas então impostas.
No regime do Estado Novo, foi desenvolvido o conceito para que, pais e maridos continuassem a considerar a emancipação da mulher, um perigo para a imagem e o bom nome da família.
A mulher era a principal responsável, pela criação e, da educação dos filhos.
Também na defesa do “seu” homem, mas subalternizada perante “ o chefe da família”.
Depois tinha que estar remetida ao silêncio do lar.
Propagandeava-se que não era socialmente correcto, desenvolver atitudes que almejassem a mulher fora de casa.
O trabalho era para o homem, a casa para a mulher!
Para um lar estável, a função da mulher, esgotava-se no ato de dar à luz, na criação e na educação dos filhos.
Na década de 60 foi mais visível, não ser essa a posição, para o seu futuro, da mulher portuguesa:
É visível nos sucessivos actos que, a mulher jovem recusa tais juízos.
Não estava no seu horizonte ficar apenas como “dona de casa”.
Tem outras ambições.
Ouvir todos os dias, na Rádio Renascença, o “Clube das Donas de Casa”, está fora de questão.
Procura engajar trabalho, nas fábricas ou nos serviços.
Luta de forma a desmitificar a ideia do homem e, do estado, ao afirmarem que, com a emancipação, não ser capaz de gerir as três funções; a vida doméstica, a educação dos filhos e o trabalho.
Luta pela igualdade nos direitos, por melhores condições de vida que, sistematicamente lhes são sonegadas.
Na generalidade, é assim que irrompem, na adolescência, as miúdas do meu velho bairro.
Não sem críticas, de gentes que sustentavam as orientações do regime (na grande parte das vezes injustas) e, por quem por perto as rodeava.
Disso é paradigma o que está descrito, na página 97, da monografia da Dª. Mª de Lurdes, no livro o “Nosso Bairro”:
…As raparigas, principalmente as que estão empregadas em modistas ou fabricas, preocupam-se muito com o luxo (*) do seu vestuário, especialmente aos domingos, quando vão passear, ou ao cinema….
…Não é raro encontrar por vezes uma rapariga muito bem vestida e calçada, com a linha moderna, das costureiras da cidade, ao lado da mãe muito mais modesta…
…Como os vencimentos não são grandes, a alimentação é muitas vezes descuidada em favor do luxo (*), chegando a privar-se de certos alimentos essenciais e comendo deficientemente, apenas para matar a fome, para poderem fazer uma permanente ou comprar uns sapatos novos, ou uma carteira….
…Algumas mães há, que também reagem quando as filhas ainda novinhas querem começar a pintar-se, ou a fazer permanentes, mas pouco e pouco vão cedendo, e as filhas acabam por fazer o que querem….
…O luxo das actrizes revelados na tela (cinema) enche-as de desejo de as imitarem, e de darem nas vistas pelo seu aspecto exterior, e então as tranças são cortadas e o rosado das faces é trocado pelo rouge….
…Os vencimentos ganhos durante um mês ou uma semana de trabalho são depois gastos rapidamente dum dia para o outro, em objectos por vezes muito dispensáveis, sem irem ajudar ao menos um pouco, no orçamento familiar…
A maior parte destas afirmações são a prova provada dos ventos de mudança e, da luta das mulheres jovens do meu velho Bairro das Furnas, no caminho da sua emancipação.
Honram a família, mas não querem ficar apenas remetidas ao lar, como as suas mães ficaram. Sentem-se no direito de ter as mesmas oportunidades dos homens.
No que vem redigido, por exemplo na moda, corresponde à realidade a influência da música, do cinema e da televisão na juventude feminina.
Mas não confundamos a árvore com a floresta!
Uma coisa é a luta das mulheres pela sua emancipação, pela igualdade nos direitos, por melhores condições de vida.
Outra coisa é, dar a entender que as raparigas, em geral, “largavam tudo e todos” para satisfação dos seus “caprichos”.
É certo que eram visíveis novos cuidados com a sua imagem.
Algumas, empregadas em grandes e médias empresas de serviços, tinham que ter cuidados redobrados com o seu vestuário, mas daqui ao luxo, ia uma grande distância.
Para a generalidade, era chegado o tempo, de substituir uma ou outra peça de roupa de fancaria mais pobre.
Era chegado o tempo de substituir as saias plissadas pelas saias lisas e ligeiramente ajustadas ao corpo.
As blusas, sobretudo feitas pelas operárias costureiras, apresentavam-se já com as influências europeia, mais modernas, ligeiros decotes, golas largas e, à cave.
Muitas passaram a usar as chamadas meias de vidro, com os sapatos com um 2/3cm de salto. Mas, dadas as dificuldades económicas da família e, pelos parcos vencimentos resultantes do trabalho. A maioria das miúdas do meu bairro calçava, os mesmos sapatos rasos, aos domingos, que, usavam durante os dias da semana.
Infelizes dos cabeleireiros/as existentes no velho bairro.
A Julieta, moradora na rua das Oliveiras e, o saudoso Zé Lobo, morador na rua dos Freixos, rezavam a todos os santinhos para terem, amiúde, muitos clientes. Só nos dias de casamento ou nos dias do bailarico tinham essa sorte.
Tenho saudades de ver as raparigas da minha idade, quando se deslocavam para os seus trabalhos, apressadas, bem cedo, de modo a não perderem o elétrico operário que, partia da “meia-laranja”.
Como eram bonitas as miúdas do meu bairro, aos domingos, de véu pelos ombros ou na cabeça e, de missal na mão, no caminho da capela!
Graciosas e elegantes nos dias de casamento. Algumas quiçá “emproadas”, pela oportunidade de estrear nova indumentária!
Como divertidas eram e, algo aliviadas de antiquados preconceitos, por ocasião dos bailaricos que se realizavam no bairro, nas coletividades em redor, quando no caminho, a pé, para assistirem a um filme, nas matines de domingo, no cinema Bélgica, em Palma, ou ainda em passeio pela Mata de S. Domingos! Vaidosas q.b., porque não?
Redigir que, comiam deficientemente a favor do luxo excessivo (*), não constitui verdade! Como também não deixa de ser exagerada a expressão:
……Os vencimentos ganhos durante um mês ou uma semana de trabalho, são depois gastos rapidamente dum dia para o outro, em objectos por vezes muito dispensáveis, sem irem ajudar ao menos um pouco, no orçamento familiar…
Salvo melhor opinião era bem o contrário que, eu observara!
A esmagadora maioria das raparigas que trabalhavam, tinham por costume e por respeito, entregar em casa todo o salário recebido!
Só depois as suas mães ou pais lhes devolviam, uns parcos escudos que, religiosamente poupavam para satisfação de uma ou outra necessidade, ou de um ou outro “desejo”.
A estima pelos seus pais era muita! O desrespeito pela família e, pela casa, não se colocava. Estava fora de qualquer questão.
Em jeito de conclusão referir que, em Portugal, a década de 60, marcou uma ampla evolução das mulheres e na sociedade portuguesa.
A década de 70, com a problemática e o avanço da guerra colonial e não só, troce, para as mulheres significativos avanços nas conquistas, em campos até aí dominados pelos homens e, onde imperava alguma misoginia.
Sublinhar que, foi sobretudo através da luta que, as mulheres souberam encontrar os caminhos com vistas a libertarem-se do rótulo de antigamente.
As miúdas do velho Bairro das Furnas disso foram exemplo.
Notas:
O Bold, os tracejados e os (*), são da responsabilidade do autor
Imagem:
Morte de Catarina Eufémia de José Dias Coelho
Foto manequim:
Perdida no Google