O ESCULTOR A QUEM DENOMINAVAM DE CANTEIRO
Há
muito que queria registar no meu blog, o homem que, eu miúdo, via no seu
quintal num banco sentado, dias a fio, sustentando nas suas pernas magras e
compridas, pequenas pedras de mármore que, sobre um pano já rasgado e gasto
pelo uso, ousava esculpir.
Todo
aquele trabalho me fascinava e, fazia confusão. Como era possível não
estilhaçar as pedras ao manipular as macetas de variado porte, os ponteiros e os
ciséis em ferro de vários tamanhos, quando trabalhava o mármore para lhe dar as
primitivas formas.
Como
ficava interrogado de ver aquele homem, de cabelos brancos, de mãos bem
calejadas, pacientemente a lixar e a lustrar as pequenas peças já esculpidas
que, soubera originar.
Bom
dia Ti Damião. Era assim o trato por quem chamava o Sr. Gualdino
Bom
dia rapaz.
Respondeu
ele sem desviar olhar do que estava a fazer.
Está
a fazer é um cinzeiro não é?
A
sua cabeça fez um sinal de afirmação, retorquindo com um sorriso;
Olha…
é uma peça igual, aquela que ofereci à tua irmã como prenda de casamento!
Como era bonito aquele
cinzeiro de mármore rosa e branco que um dia se quebrou contra o chão, deixado
cair por mim, quando não o soube agarrar ao contemplar a sua lindeza.
O Sr. Gualdino Damião, morava no nº 20 da
minha Rua dos Plátanos.
Morreu
com 87 anos de idade, no mês de Junho do ano 1964.
Nesta
sua casa, habitavam também a sua filha Srª. Dª. Hirondina e a sua bonita neta
Mª Helena Damião.
Gente
bem amiga da minha mãe. Muito divertidas, sobretudo a Srª Dª. Hirondina que, nas
épocas carnavalescas, mascaradas, acompanhadas pela minha mãe, pela Ti
Esperança e pela Ilda dos Óculos, todas vizinhas, não deixavam de brincar a bom
brincar por aquelas ruas do velho bairro. A estas paródias também não podia
fugir, a Ti Hirondina e a filha mascaravam-me, algo que não me agradava lá muito.
A Mª Helena Damião conta mais 7 anos de
idade que a minha pessoa. Por volta do ano 1965, após o seu casamento, muda de
morada de casa, com o saudoso Eugénio e filho, passando a viver na Quinta do
Charquinho, em Benfica.
Passaram
48 anos sem a ver. No entanto este lapso de tempo, não fez esquecer a sua
pessoa.
Ir
ao encontro da Mª Damião, por razões da reciproca amizade desde menino e moço, recordar
aquela família que tanto me estimara e, saber mais do homem cujo trabalho, em
miúdo, me deslumbrava era situação a colmatar.
Naquele
dia de inverno, a chuva e o vento forte, não impediu de ir ao seu encontro. Em
sua casa, observámos e comentámos fotografias antigas, também menos antigas, recordando
gentes da nossa rua, da sua vida e, da vida dos descendentes.
Recorda
com saudade o seu marido, companheiro da sua vida. Relembra sua mãe e, o avô. Sem
rebuço, afirma ter sido o seu verdadeiro pai.
Fala
orgulhosamente do seu filho e da sua bonita neta.
Deparo
que os seus 75 anos de idade não lhe tiram a vivacidade do olhar e o sorriso de
outrora. A sua voz é inconfundível para quem a conheceu menina e moça.
Na
fotografia do seu casamento, comenta a amizade vivida com as moças vizinhas da
sua casa. Eramos como verdadeiras irmãs, comenta.
No
dia 26 de Dezembro de 2013, a noite aproxima-se. O objectivo do nosso
programado encontro também se dá por finalizado, não sem antes perguntar:
…Diz-me
Raul, como tens passado? Tens filhos? Netos?
A
tua irmã?
E
já na despedida comenta:
Olha…se
vais escrever sobre o meu avô, não te esqueças de referir que o brasão que
existe no quartel dos Bombeiros Sapadores de Lisboa, em S. Bento, foi ele que o
fez sozinho, como um verdadeiro escultor que era. Notícia que não saiu do meu
pensamento, até ao dia em que teria a possibilidade de ver e fotografar a
escultura da autoria do Ti Damião.
Fiquei
triste e surpreendido quando me foi recusado retractar o brasão, ali tão perto,
pelo oficial de dia ao quartel.
…O
Sr não pode fotografar o que pede, sem a autorização do nosso comandante… Concluído:
…Peça-lhe
por escrito, garanto que a resposta será rápida…
Defacto;
foi rápida e concedida!
Janeiro de 2014
Raul P Sinos
fotos:
A 1ª foto retracta o Sr. Gualdino Damião.
A 2ª foto retracta a Srª Dª. Maria Helena Damião nos dias de
hoje.
A 3ª foto retracta o dia do casamento da Mª Damião,
acompanhada pelas damas d’Onor e vizinhas
A 4ª foto retracta a bonita escultura feita pelo Sr. Gualdino
Damião, exposta no quartel BSL – S. Bento
E o Bisneto disse:
Olá Raul!
O trabalho que me envias-te sobre o meu bisavô está admirável.
Invade-me a nostalgia e a saudade dele, do nosso velho Bairro e da nossa
velha Rua.
Aproveito também para te agradecer os teus trabalhos sobre o nosso saudoso
Bairro, com textos e imagens que nos transportam no tempo para junto das
pessoas e dos lugares que muito marcaram a nossa infância e juventude.
Tinha 17 anos a quando do falecimento do meu bisavô. Estava então na Força
Aérea e em aulas na Base Aérea 2 quando o diretor de curso, o major Tomás,
interrompeu a aula e me comunicou o seu falecimento, providenciando o meu
transporte para casa.
Tenho ainda gravada a sua imagem no seu leito de morte.
São muitas as recordações daquele homem bom e da bisavó Chica (Francisca),
sua companheira de sempre.
Esculpiu muitas obras para jazigos no cemitério do Alto de S.João; são
obras que não identifico mas todos ao trabalhos ali existentes são admiráveis e
regozijo-me com orgulho, quando tenho oportunidade de os contemplar,por saber
que as suas macetas e escopros cinzelaram muitas daquelas obras.
Oh Aida!... (a minha mãe) vou com o miúdo ao café. Lá me levava pela mão
ate à leitaria do Sr. Mane´l e do Sr.. António, único local onde nas redondezas
existia televisão, recém chegada a Portugal. Quase sempre à noite, após o
jantar, lá íamos ver televisão; ele bebia a sua bica acompanhada do seu bagaço
e... Oh António trás aí um pacote de bolachas de baunilha aqui para o
rapaz! - Regressava-mos a casa quase sempre no fim da
emissão após um dos seus programas favoritos, a volta a
Portugal em bicicleta.
Aqui fica expresso o meu agradecimento por me facultares a possibilidade
de, como já disse antes, me transportares aos anos do que considero uma
saudosa época da minha vida.
Recebe um grande abraço, até breve!
Luís Filipe Ramos (Luís Damião)